Triste Figura
Parte 1Lembro que por volta de 2000 comecei a comentar, junto dos amigos, que algo me preocupava e enunciava caminhos tortuosos para o futuro político da nação.
Apesar de António Guterres ter alcançado a maior vitória legislativa do PS, ficando a uma unha negra da maioria absoluta, verifiquei que um vasto esquema de usurpação do poder tinha origem na comunicação social e objectivava denegrir, de forma aparentemente isenta e jornalística, a acção do segundo governo PS. Preparava-se a tomada de poder com uma estratégia, dita moderna, baseada no amplo controlo dos órgãos de comunicação social. Confrontava o ciclo próximo de amigos com o facto de existirem não só políticos comentadores, que sendo peças do xadrez político, construíam e manipulavam opinião como se fossem parte desinteressada da jogada, mas principalmente jornalistas (e editores e directores de jornal) que baralhavam o esquema do rigor jornalístico, alterando profundamente a democracia por via de um novo género de opinião publicada que invadia as redacções.
Recordo, agora, que dava como exemplo máximo um senhor que ninguém conhecia, que escrevia uma crónica diária na segunda página do DN, que assinava como Editor e se chamava Luís Delgado. A minha rapaziada, habituada aos meus delírios criativos, aconselhava-me a ver filmes de conspiração, contrapondo como resposta a essa tomada de poder, por um lado, a minha loucura, por outro o meu fervoroso e cego socialismo.
Procuravam isolar os meus receios com outros argumentos racionais como o aparente facto de ter sido sempre assim. Respondia que aceitava que pudessem sempre ter havido notícias manipuladas, mas nunca com aquela dimensão (em número e conteúdo) nem com a inclusão de uma nova estratégia que incluía os critérios editoriais na generalidade. Mais tarde disse e escrevi, aqui no Estado, que com Cavaco o povo saiu à rua e a comunicação social difundiu e com Guterres a comunicação social difundiu e o povo saiu à rua.
Confesso, que passados quatro anos, sinto ambiguamente alívio e preocupação. Alívio porque é hoje consciência generalizada que os jornalistas não são de todo isentos, sendo inclusivamente imediatamente perceptível quem cacica e para que lado. (Consigo distinguir de cor dois que não imagino o lado: Raquel Alexandra e Carlos Magno). É também reconhecido que tal nunca teve esta dimensão, tanto no tratamento da peça ou artigo, como na vinculação da opinião. Preocupação porque, tenho-o repetido vezes sem conta, esse é dos mais alarmantes sintomas da doença democrática.
Pronto já desabafei. Agora vamos rir um pouco. Duas palavras: Luís Delgado. Calma malta. Não são os gags. Parem de rir! Oh! Outra vez Luís Delg... Ainda não disse o resto. Uma, duas, três. Luís Delgado.
Parte 2
É o verdadeiro artista, especialista na difusão do banal senso comum, não acrescentando nada de substancial, apenas verbalizando os, agora já perceptíveis, sound bytes que alimentam as parangonas dos jornais. Nunca se lhe ouviu uma ideia específica e a sua criatividade assemelha-se à do outro Luís, o Pereira de Sousa, quando expande a técnica da força afirmando, por exemplo, "se eu fosse o responsável de comunicação do Governo" fazia, dizia e acontecia.
Deixei, há alguns anos, de ler o DN por causa deste déspota, mas tive a felicidade de comprar a edição de ontem (uma viagem de negócios ao Porto precipitou a coincidência) e apanhei-o com a boca na botija do cúmulo da indefensável estupidez.
Na página nove do referido jornal assina um artigo genericamente intitulado Linhas Direitas, que desde logo pressupõem escrita torta e especificamente Atitude Negativa. E começa o show de escatologia jornalística. Versa sobre a área em que o cretinóide se declara especialista, comunicação política e surpreende vindo de alguém que passou anos a dizer mal da actividade governativa. Dispara:
"Uma das maiores e mais impressionantes barragens publicitárias políticas efectuadas nos EUA, para as presidenciais, e que começou nos últimos dias, aposta_ e os ?gurus? de campanha acreditam no seu efeito psicológico_ na contraposição entre o permanente discurso negativista do candidato democrata, John Kerry, e o apelo ao dinamismo e expectativa positiva lançado por Bush."
Percebe-se que, dentro da sua lógica militante, queira insinuar um paralelismo entre a situação norte-americana e a portuguesa.
Acontece que na mesma edição, página cinquenta e dois, um artigo, não assinado e intitulado "Diz-me onde pões o teu anúncio e eu digo-te quem vai votar em ti" começa de forma antagónica:
"John Kerry está a derrotar W Bush no campeonato dos anúncios televisivos de campanha. Esta é a conclusão do primeiro estudo de semore da Nielsen, a principal empresa de medição de audiências dos EUA, com a colaboração da Universidade do Wisconsin, aos anúncios eleitorais."
Não seria mal pensado se estas empresas e universidades de meia-tigela recorressem a um consultor de elevada categoria como o Xô Luís, que contra-ataca:
"Em teoria, garantem os especialistas, o eleitorado, qualquer que seja, particularmente aquele que está sujeito a grandes pressões na situação interna e externa, tenderá sempre a optar por um líder que lhe transmita confiança, fé no futuro e uma grande crença na evolução positiva dos acontecimentos, seja em termos económicos ou em matéria de segurança, política ou desenvolvimentos no Iraque ou Médio Oriente."
Porra! É isto. O princípio do eleitorado que é burro é "tudo ou molho e fé no Deus" católico, claro. Não venham com muitas especificações, que não adianta. O outro artigo:
"O estudo abrangeu 93 mercados televisivos e, em 83 destes, a propaganda favorável ao candidato democrata suplantou a do Presidente em exercício. Isto aconteceu apesar de haverem mais anúncios republicanos que democratas. (...) Assim, "a campanha de Kerry e dos seus aliados está a chegar mais vezes aos eleitores que a do Presidente Bush", disse Ken Goldstein, o director do Winsconsin Advertising Project e coordenador deste estudo, realizado entre Março e Junho."
Interessante ainda, para verificar esta verdadeira diálise jornalística, a perspectiva lançada na caixa que acompanha a notícia, intitulada "Campanhas à procura dos indecisos", onde o Sr. Goldstein é citado em declarações ao New York Times: "As eleições ganham-se nas margens do eleitorado e são diferenças marginais entre as campanhas que nos mostram diferentes estratégias entre aquelas." O final merece também alguma reflexão séria (uma pausa, xô Luís): "As campanhas de George W. Bush e John Kerry gastaram mais de 180 milhões de dólares (cerca de 150 milhões de Euros) até ao mês de Junho (...). Mas 60% dos americanos vive em regiões onde nenhum anúncio foi difundido."
Na minha terra chama-se à sua actividade profissional, caro Sr. Luís Delgado, c*+ postas de pescada. Não é jornalismo, nem sequer opinião.
Parte 3
Moral da história: Tivesse o estimado estadista ficado por aqui e, não tendo lido os respectivos artigos, teria sido também vítima de pura manipulação. É que no da página cinquenta e dois o desenvolvimento explica que o estudo se refere à colocação dos anúncios (intervalo de determinado tipo de programas/target a alcançar) e não propriamente à mensagem vinculada por cada uma das campanhas. Não obstante isso, também a vantagem de Kerry é reveladora de estratégia adequada e pode muito bem ter reflexos eleitorais. Por comprovar fica a tese do xô Luís, que à partida até poderia ter um princípio correcto, mas esbarra na prática comum de quem está na oposição fazer o discurso da tanga, enquanto o poder exibe os anéis. Aliás o seu artigo é concluído com o exemplo português. E eu pergunto: o que andou quatro anos (dois na oposição e dois no poder) a fazer o Zé Manel Trauliteiro?
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