terça-feira, julho 13, 2004

A Democracia que temos

Instigados a votar, os cidadãos deparam-se com as suas escolhas preteridas e anuladas por um grupo de iluminados, que se denominam políticos e que nos tempos que correm vivem do exclusivo expediente de convencer jornalistas, editores e directores de jornal a darem-lhes visibilidade. Ao povo, a pouco e pouco, resta-lhe desistir. Vai deixando de ir às urnas, de ter opinião, de discutir, de apoiar, de criticar. Adormece e fica amorfo. Até perceber que vive em oligarquia, muito tempo depois do doloroso actual final do sistema democrático, tal como existe.

1. Durão Barroso vê as suas propostas europeias serem amplamente derrotadas pelo povo português, em escrutínio. Sofre a maior derrota eleitoral de sempre da direita coligada. Um mês depois é escolhido pelos seus pares europeus, os chefes de governo também maioritariamente derrotados, para Presidente da Comissão Europeia.
2. O PSD apresenta um programa de governo ao eleitorado em 2002. O CDS também. Formam governo juntos criando um terceiro programa de governo, nunca apresentado aos eleitores. Esse mesmo programa justifica a continuidade do governo, mesmo mudando o Primeiro-ministro e cerca de 70% dos ministros e secretários de estado.
3. O Presidente considera que a mudança de 70% do aparelho governativo é um factor de estabilidade e continuidade imediata das políticas, que por sua vez são rejeitadas por grande parte dos observadores técnicos, parte da opinião pública e da imprensa estrangeira de qualidade.
4. Os candidatos a deputado são, em grande parte, autarcas que exercem funções nas terras em que foram anteriormente eleitos. Se exercerem o poder, são substituídos na Assembleia da República pelos suplentes, se forem vereadores e afins, escolhem o cargo de deputado e são substituídos nas autarquias pelos suplentes. Muitos destes chegam ainda ao segundo lugar da hierarquia política: gestor público, apesar de se terem apresentado para o exercício do serviço público. O topo são os cargos de governante.
5. Ninguém na Câmara Municipal do país com maior número de eleitores votou no actual Presidente, Carmona Rodrigues. Os cidadãos votaram no PSD em grande parte motivados pelo nome do cabeça de lista, Santana Lopes.
6. Na mesma câmara os partidos da direita apresentaram-se separados. Hoje e depois da convergência nacional presume-se que o CDS apoie a actual gestão autárquica, permitindo assim ao PSD ter maioria, uma vez mais não conquistada nas urnas.
7. O actual Primeiro-ministro nunca venceu qualquer eleição em congresso do PSD. Concorreu várias vezes e desistiu ou perdeu sempre. Por isso nunca foi candidato ao cargo que exerce. Já declarou que iria abandonar definitivamente a política e já anunciou que nunca mais seria candidato a Presidente do partido, depois das sucessivas derrotas.
8. Senão a totalidade, uma grande parte dos eleitores que votaram em Jorge Sampaio, para Presidente de todos os portugueses, eram a favor da realização de eleições antecipadas.


Admito que neste último ponto possa existir alguma controvérsia.
Quando exigiu que o poder legislativo mudasse a lei que proibia os toiros de Barrancos, uma vez que o próprio Sampaio é um fervoroso aficionado, esqueceu-se de respeitar não só um princípio basilar do Estado de Direito, que não pode mudar de leis de cada vez que um indivíduo ou um grupo não as cumprem, como parte dos cidadãos deste país que se opõem às barbáries com animais, incluam ou não a exibição da morte. Tomou partido. E desta vez a situação é similar.
Sabendo Sampaio que ao tomar o partido da direita estaria a contrariar a esquerda, deveria deixar os cidadãos decidirem. Só faltava argumentar, que na dúvida e na divisão, não deveria ser o soberano a decidir. E soberano é o povo. O único cujas decisões não são injustas, sejam quais forem.

Que fazer perante este estado comatoso do actual regime? Desistir? Acho que não. Penso que o actual Estado só mudará dentro dos próprios partidos, os primeiros a terem de mudar funcionamentos. Como todas as revoluções também a revolução para uma melhor democracia terá de partir de dentro do sistema. Será esta uma boa altura para me tornar militante?