terça-feira, dezembro 02, 2003

Todos com a broa!

E é assim. De repente. Sem ninguém perceber como aconteceu, de onde surgiu, quem está por trás. Um estado que há três dias estava numa curva descendente sem precedentes. Que mergulhava no abismo final, nas profundezas do terceiro mundo, de onde provavelmente, dirão alguns, nunca verdadeiramente saiu, apenas se disfarçava.
Um estado horrível e desesperante, que extraditava os melhores cientistas, que bloqueava, a todos os níveis, os melhores artistas. E no fundo os seus. Os seus. Que matava as suas gerações, ao longo de outras gerações.

Ninguém nunca perceberá como tudo se resolveu... De repente as televisões começaram a dar a notícia, seguiram-se os jornais e as rádios ou, provavelmente, foi vice versa, mas pouco importará. De repente foi como se Deus tivesse aparecido em forma de broa. Esse mesmo país que dias antes caminhava para a morte, lentamente claro está, inverteu toda a sua falta de auto estima, todo o seu cabisbaixo orgulho e decidiu construir a maior broa do mundo! Mais do que isso: decidiu transmiti-la com directos q.b., apoiá-la seguramente pela opinião generalizada dos cafés cheios que, entre duas aguardentes, rectificaram o assunto como muito importante e positivo. Afinal a mais genial criação é aquela que é a mais simples: uma simples grande broa colectiva. E os outros invejosos colocarão nas suas primeiras páginas: "A maior broa do mundo é Portuguesa!".

Acabou o desemprego, o pacto da estabilidade que acabara com o crescimento, a crise, os boys for all the jobs, os próprios hand jobs, a fome, a miséria, a guerra preventiva (e se o mundo for atrás ninguém terá de matar preventivamente o Sr. Bush), os partidos engatados na banca e na construção civil e nos dirigentes do futebol corrupto. A broa nacional acabou até com a ideia, que se começava a generalizar, que se calhar o Euro 2004 servirá antes de tudo para enriquecer os bolsos de uma pequena minoria que até vai conseguir bilhetes à distância de um telefonema e uma promessa de uma ida breve às putas.
Uma simples maior broa portuguesa do mundo acabou com coliseus inteiros a aplaudir indiciados em crimes de pedofilia no mesmo dia e com importantes figuras do estado que adoravam cheirar as meias usadas dos jovens prostitutos, mas que nunca foram sequer referidos, com a conivência de todos os cidadãos.

A um espírito pouco desenvolvido intelectualmente, onde a criatividade perdia terreno para a canastrice e a imaginação para a realidade pornográfica da vida, da guerra e do exame à pila em directo, seguiu-se a frenética aparição da broa, onde o estado desatou todo a rir compulsivamente, sem saber de onde lhe vem essa vontade que começa a fazer doer os maxilares. Onde quer que vão, os portugueses riem a bandeiras despregadas, no metro, nas filas do túnel do Marquês, no preenchimento do IRS, no pagamento das portagens, da gasolina e imagine-se do leite e do pão. Tudo quanto mais se paga e menos se ganha e que pagam os que pagam sempre, dá vontade de rir. Os únicos prejudicados foram os homens da noite: tiveram de duplicar as doses de essências ministradas nas bebidas alcoólicas, porque o pessoal, com a broa, passou a ter dores de cabeça.
Claro está que quem se lembrou de estragar dose tão significativa de condimentos (porque naturalmente o tempo de execução do panídeo fará que a extremidade inicial entre em putrefacção e por aí fora) e para mais em tempo de crise e quem decidiu dar cobertura a este evento e porque não quem o apoia (uma boa parte dos concidadãos) deverá ser medalhado. Nem que seja com molho de cabrito assado no forno, mas uma medalhinha ninguém pode recusar.

E que outras ideias podem servir para enaltecer o sentido patriótico de uma nação? Que outros grandes feitos podem provocar a reposição da auto estima colectiva? O Estado Negação deixa as suas sugestões:
1- Produção do maior traque colectivo. Dia 25 de Dezembro às duas da tarde (hora de Portugal Continental) peide-se! Vamos ouvir a flatulência de um país. Se todos nos conseguirmos traquejar ao mesmo tempo, o ruído produzido ecoará na Lua. Aproveite o dia de Natal e saúde os nossos emigrantes espalhados por esse mundo fora. Dia 25 Portugal fará história. (atenção: o pessoal acostumado a esta prática deverá suster iniciativas individualistas para a hora aprazada e o pessoal com dificuldades em fazê-lo em público deverá procurar estar sozinho, mas não falhar a participação).
2- O maior orgasmo do planeta. Dia 24 à noite, depois das prendas começar a ter relações sexuais. A ideia é que toda a malta se venha às três da matina. Os mais inibidos deverão fazer um esforço para se soltar. As mulheres com vaginismo deverão recorrer ao sexo anal e os solitários à masturbação. Os casais com filhos deverão ter alguns cuidados, mas também não será o primeiro e último descuido... Os homens com ejaculação precoce deverão usar a técnica do cordel.
3- A maior detenção da história. No dia 31 de Dezembro a partir das 16.00H cometa um crime. Aconselha-se vivamente o pequeno e o médio furto. Game nos estabelecimentos ainda abertos e parta as janelas do pequeno comércio, fechado e reunido com a família, na ideia de que a época natalícia trouxe algum ânimo, mas a rezar aos santinhos para que o próximo ano duplique as vendas ou a falência será inevitável! Aceitam-se homicídios justificados: o patrão, a sogra e os clichés do costume. A ideia é estragar a noite de ano novo às autoridades. Se toda a gente aderir, por volta da meia noite será o caos nas esquadras deste país. Milhares de pessoas serão detidas e levadas para ginásios e outros espaços cedidos por associações humanitárias. No dia 31 participe na maior detenção da história da humanidade.
4- Tiroteio 2004. No dia 1 de Janeiro de 2004, Portugal organiza uma mega acção de boas vindas ao Euro. Todos os cidadãos deverão estar munidos de armas, pelo que o abastecimento ilegal é obrigatório. (Eu por exemplo safo-me bem aqui nas traseiras do meu bairro, pelo que falarei já amanhã com o Sr. Lello). No primeiro dia do ano desate aos tiros. Simplesmente imagine que é o seu último dia na terra, dirija-se à janela e desate aos tiros contra tudo o que mexer: cães, gatos e sobretudo pessoas. Apela-se a que as escolas aderentes interrompam as férias por um dia para possibilitar aos alunos um tiroteio de escola (este formato é muito apreciado e garante a cobertura mediática internacional). Quem quiser aderir, deve-se abster de participar nos festejos da véspera, a não ser que consiga gamar a arma ao polícia, o que na esquadra é tarefa, convenhamos, difícil.

Se não nos virmos antes, Boas Festas.