PS: Ponto de Situação
O Partido Socialista de Eduardo Ferro Rodrigues atravessa uma complicada crise, não vale a pena esconder.A Comunicação Social gladia-se em hipóteses e cenários, procurando precipitar a demissão do Secretário Geral, por motivações políticas e financeiras (maior parte dos casos) e de especulação jornalística pura (restantes).
Defendo que Ferro não se deve demitir pois o principal factor que o poderá levar a Primeiro Ministro será a capacidade de resistência interna. É o único militante socialista que consegue um equilíbrio entre as diferentes correntes sampaistas (logicamente, sua família de origem), guterristas, soaristas e outras pequenas como gamistas e João soaristas.
No entanto tenho pensado sobre alguns erros cometidos pela sua liderança e decidi escrever a bem da respectiva.
1º- O maior problema reside na ausência de antecipação política, ou seja na capacidade de risco de antever as manobras dos adversários e assim denunciá-las e esvaziá-las. Por exemplo: como sabem aqueles que me conhecem eu condeno a comunicação social portuguesa pelos dois últimos anos de António Guterres no Governo. Foi montado um esquema de controle e açambarcamento do espaço de opinião pública e dos diferentes critérios editoriais (este aspecto ainda pior e chave de todo o processo, uma vez que o que passou a ser notícia e a forma como era apresentada ditaram o afastamento de Guterres) com vários tentáculos e com vários protagonistas: José Eduardo Moniz, Luís Delgado, José Manuel Fernandes e Marcelo Rebello de Sousa, à cabeça. Dizem-me sempre que o mesmo aconteceu com Cavaco Silva, mas eu acho que nem por isso. Costumo responder que com Cavaco o povo saiu à rua e a comunicação social transmitiu e com Guterres a comunicação social transmitiu e o povo saiu à rua.
Naturalmente que esta foi a primeira grande dificuldade que se apresentou ao líder do PS. Durou muito tempo a reagir a este esquema montado e planeado para levar Durão Barroso a uma tranquila estada no poleiro. Hoje é unanime na sociedade portuguesa e junto dos que acompanham Ferro que a Comunicação Social favorece perigosamente a maioria de direita, fundamentalmente por imposição de grupos económicos próximos de Durão e sua rapaziada e que controlam já parte significativa do espectro dos órgãos de comunicação social portugueses. Mário Soares tratou este assunto, a semana passada no plenário, numa declaração onde manifestou preocupação pela centralização da comunicação social em, cada vez mais reduzido grupo, de grupos económicos. Ao seu jeito brilhante e subtil, Soares demonstrou que quem sabe, sabe...
Assim quando Marcelo começou as suas "Conversas em família", dentro de uma TVI dominadora por via do Big Brother (ironia do destino), aquilo pareceu uma coisa normal e sem importância. O Guterrismo não poderia apontar esse problema por via da sua própria promiscuidade com as relações estabelecidas, mas Ferro deveria ter começado por aí. Hoje a problemática da igualdade de critérios na TVI, RTP, SIC Generalista, O Público, DN, Antena 1, Renascença, Diário Económico, O Independente, Diário Digital versus os que equilibram: TSF (agora), SIC Notícias, Jornal de Negócios e o Expresso (mais por via do conjunto de opinião publicada, que propriamente por critério editorial de José António Lima e companhia), é visível e preocupante numa sociedade democrática. Cada vez menos bem entendido.
Segue-se o problema com a justiça. Para mim é evidente que regra geral (com naturais meritórias excepções personalizadas e institucionalizadas) que o aparelho judicial é influenciado pelo poder político. Isso é uma verdade factual. Ou seja de onde surge a expressão "politização da justiça"? Do nada? Mas a gestão do caso Fátima Felgueiras revelou uma certa incapacidade de tocar a ferida, tornando mais difícil explicar a consequente e lógica solidariedade com Paulo Pedroso. É que a angariação financeira dos partidos é uma prática transversal e habitual, sendo difícil compreender como só o PS pode estar envolvido judicialmente com esse problema.
2º- Daí que para evitar a continuação deste problema resta a Ferro Rodrigues uma alternativa: antecipar.
Qual será o próximo grande passo de Durão? Eu não tenho dúvidas. O governo prepara-se para aplicar toda a sua acção num só objectivo: levar o país a uma brilhante recuperação, em finais de 2004. Visto 2005 ser o ano de eleições, a maioria projecta uma panóplia de corta fitas e números favoráveis ao país. Manuela Ferreira Leite aplicará a sua experiência e ensinamentos do Prof. Cavaco para inverter toda a actual situação. O PS tem forçosamente de denunciar este aspecto decisivo. Tem de se antecipar ao natural aproveitamento de existir uma maioria parlamentar confortável que permite um adiamento da resolução dos problemas.
3º- O PS tem de redefinir o seu centro de estudos. Não o seu responsável, António José Seguro que tem natural aptidão para desempenhar o cargo, mas a sua forma de actuação. O centro de estudos tem de fornecer todos os números possíveis e imaginários, o que até agora tem sido uma percha nas intervenções dos responsáveis do partido: todos devem estar municiados de gráficos claros, onde se destrua toda a argumentação sobre a governação passada, actual e perspectiva futura. A par desses instrumentos (que repito: devem ser apresentados em todas as circunstâncias de aparição pública dos diferentes militantes, em diferentes meios) deve o mesmo organismo fazer um profundo levantamento sobre a actividade jornalística, quantificando e sistematizando a actuação dos órgãos de comunicação social desde 2000 até aos dias de hoje. Um estudo exaustivo provará a diferença de abordagem do PS e do PSD, a injusta discrepância de opinião desfavorável a um e favorável ao outro, etc. Meio a meio, título a título. Por exemplo em 150 "positivos e negativos" de quatro jornais o PS teve n negativos e o PSD x positivos.
Finalmente, no quadro dos mais notáveis militantes, existem três tipos de maneira de estar.
Os que não ajudam
Jaime Gama: serve o partido se tiver um líder que o ponha na ordem. Com Guterres foi colocado na medida da sua dimensão real: é um bom técnico mas jamais uma linha da frente. Se for candidato à Europa o PS perderá as eleições. José Lello devia assumir a presidência da Assembleia do Boavista em regime de exclusividade e calar-se de vez.
Ana Gomes: grande parte do seu discurso tem razão mas precisa urgentemente de um chefe de gabinete que a prepare para as incursões televisivas, onde, na forma, tem estado péssima. As suas opiniões sobre José Lamego são inacreditáveis. É incrível que ninguém lhe relembre que ela própria esteve a representar Portugal na Indonésia e que todo o quadrante político e popular compreendeu que era, estrategicamente, fundamental para o nosso país estar presente no território inimigo, o que agora nem é o caso. José Lamego vai a bem dos iraquianos prestar um serviço que ninguém no PSD é capaz de fazer. A embaixadora precisa de perder os ciúmes, trabalhar a maneira de dar entrevistas e aprender que basta uma lança para ter visibilidade. Não é preciso desatar aos tiros.
António Costa: é um político brilhante na linha da frente. Relembro a sua incursão nas eleições autárquicas em Loures, onde a sua derrota pareceu uma vitória. Foi excelente ministro e um brilhante político dentro do partido com Guterres e com Ferro. Mas quando chegou a líder parlamentar retirou Jamila Madeira de um cargo (vice presidente do grupo) por motivos pessoais, alegadamente por amizade com Ana Catarina Mendes, arqui-rival da Secretária Geral da JS. Revelou a partir desse episódio uma desastrada sucessão de sentimentos, onde transpira a sua ambição desmesurada por altos voos e a táctica acima da ética. Terá de rever todo o seu recente percurso se quiser voltar a ser útil.
Os que não ajudam nem prejudicam
José Sócrates: é um político brilhante e talvez o quadro socialista com mais obra efectuada. Os estádios foram decisão sua e eu acho que isso é um aspecto péssimo na opinião publica, ao contrário da publicada. De resto a sua acção como ministro do ambiente foi excelente e um motivo de orgulho de António Guterres. Ser católico também não ajuda muito... É evidente que existe um grupo grande de socialistas católicos mas eu preferia que nenhum fosse Secretário Geral. Deveria ser o cabeça de lista às eleições Europeias, numa lógica de dois em um (ao contrário de Jaime Gama): ganhava de caras e adiava a sua ambição natural.
Manuel Maria Carrilho: é daqueles políticos com os quais concordo com a maioria das suas ideias. Não consigo aceitar que se tenha prestado a ser comentador: um homem com o seu nível intelectual compreende o péssimo serviço que presta à democracia. È lógico que se não aceitasse, alguém o faria em seu lugar, mas não só é condenável o formato televisivo do comentador/político que fala da actualidade sem contraponto, como legitima aquilo que, neste momento, mais prejudica o PS: os comentadores género ditadura, tipo órgão oficial.
Os que ajudam
Ferro Rodrigues: ele tem de ser convencido que é a solução. Juntou um grupo de jovens à sua volta para comandar o partido e esse é um sinal de rejuvenescimento da prática política sem precedentes. Geriu bem as tendências do partido dando generosamente protagonismo a gente de diferentes áreas. Representa a mudança, como explicou Mário Soares, na maneira de fazer política, ao contrário de Durão que é um pouco a continuidade de Guterres. Precisa de um fim de semana com o telemóvel desligado e longe daqui. Precisa de pensar sozinho. Todos os grandes líderes têm de se confrontar com a sua própria solidão.
Jorge Coelho: Como é possível que, segundo consta, Ferro, Gama e Costa não o tenham convidado para o almoço dos Generais? É impossível dirigir o actual PS sem ter Jorge Coelho como número 2. É ele que agita a bandeira e a alma dos militantes. Força, força companheiro Coelho.
António Vitorino: de todos os centristas é o mais à esquerda. Goza de um prestígio único e, a seguir a Ferro, será o nome mais consensual entre todos os que podem ser SG. Apesar de distante, terá de dar a cara nas eleições ou no congresso, sob o risco de vir a ser acusado de falta de solidariedade política.
Manuel Alegre: é o militante histórico que aponta sempre a solução. Desta vez foi brilhante: a saída da crise interna resolve-se com um congresso extraordinário. Nada mais eficaz para o exterior, o interior e acima de tudo um grande gesto de lealdade para com Ferro Rodrigues. Com o congresso os ambiciosos eram obrigados a ficar na toca.
Mário Soares.
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