sexta-feira, agosto 29, 2003

Big Brother Blog

Reivindicação na evocação do centésimo visitante do Estado Negação. Podem dizer que houve gente que o visitou mais que uma vez, mas o caso não deixa de ser grave!

Um gajo em plena maturação das suas faculdades, qual Figo das artes do espectáculo, chega aos trinta desempregado, deprimido e sem perspectivas nenhumas em relação ao futuro. Odeia quase tudo à sua volta_ o seu Estado, o seu meio profissional e até a rua onde mora.
Há uns anos introduz-se no mundo mágico da TV, que agora repudia, tal como se lhe apresenta, imaginado constantemente que a pode ajudar a mudar. Vive intensamente na esperança de refutar a visibilidade saloia que esta proporciona, sendo esse mais um aspecto muito negativo da TV pacóvia, limitada e estupidificante que temos e resolve criar um blog. As primeiras reacções não enganam: Em conversa com a malta tem a percepção que as sugestões são no sentido de aumentar e alimentar a audiência do blog. As principais são para melhorar as possibilidades tecnológicas, colocando links, capacidade de responder directamente, convidar pessoal para escrever textos, escrever coisas mais apelativas, sobre sexo e etc.
Cria um blog para se exilar (vide s.f.f. o primeiro texto "Errata Temporal", nos "archives") e acaba por perceber que afinal o pessoal já lhe está a medir a pila. Mais textos, mais visitantes, mais assuntos, mais pressão, mais comentários, mais tudo. Embora uma audiência média de 13,2 míseros visitantes por dia, não contando com as repetições não seguidas do mesmo PC, mas contando com o próprio, mexe-se a comunidade, porque de repente esta amostra até pode significar que O Estado Negação é útil ou, como diria um político bem colocado em qualquer partido mal colocado nas sondagens, estas valem o que valem. Basta que um visitante conte a alguém que foi ao blog, para que imediatamente essa pessoa passe a contar como potencial visitante. Se toda a gente que visita falou a duas pessoas a audiência eventual é de 26,4 e por aí fora.

Efectivamente coloquei um pequeno "Counter" no canto inferior esquerdo do blog. Não só o pessoal não reparou muito na coisa como esse processo constituiu a minha segunda incursão (a primeira foi o próprio blog) no mundo da programação informática, obviamente cheio de percalços e embora tudo me tenha sido fornecido de forma simplificada (isto é um exagero, foi mesmo chave na mão) por um site deste tipo de coisas. Logo as reacções dos desenfreados colegas bloguistas, que podia saber on line quem está on line, ou simplesmente registar todos os que visitarem, bastando para isso mais meia horita de rapinanço informático e paciência digital. É neste contexto absolutamente globalizado que um "um gajo na plena maturação das suas faculdades" vive agora velhas e novas dúvidas:
1º- Quem sou? O blog enquanto acessório da terapia psicanalítica deveria ajudar a encontrar esta resposta. Não é o que faço, como faço e porque faço (embora esta também seja fundamental) é que mais: em que estrutura se baseia a minha personalidade, quais as suas origens e que repercussões têm no presente e no futuro;
2º- O que é que andei a alimentar estes anos todos sobre mim? Quem é esta gente pensa que sou? Porque esperam de mim exactamente aquilo que não sou? Porque menti convincentemente tão bem nos últimos dez anos?;
3º- Querem mais bailarico? Mais presenças giras, como as que fiz nos freak shows que fiz por guita, mas que saí sempre enganado e sem um tusto? Ou querem que eu esteja na vida e no blog como aí estava, porque se calhar até sou aquele tipo divertido?
4º- Ou será que um pouquinho de seriedade e reflexão fazem de mim um misto de político e intlectualóide de esquerda, como se pensar e pior mesmo pensar diferente seja um crime de lesa pátria. Porque é que não me identifico e aceito o Estado tal como ele é e parto para a inconsciência? Para a Negação.

Existem três soluções à vista:

A) Começo a ofender os visitantes e passo a uma audiência de 1 por dia, contando comigo. Chamo-lhes burros e estúpidos, que me metem nojo e que não valem nada. Faço textos sobre as tradições escatológicas na culinária urbana, começo a elogiar o governo do Zé Manel Trauliteiro e do Paulinho Incendiário (a rapaziada perguntou porque é que chamei incendiário ao Paulinho no 2º texto nos "archives", provavelmente sugerindo que era uma colagem repescada aos acontecimentos que estávamos a viver. Acontece que essa crónica carece de continuação, onde defendo que "Paulinho Incendiário queimou muitos amigos da maioria dos seus colegas ministros"), adiciono fotos sacadas na net, que ninguém quer ter no historial do seu PC, faço citações do Tino de Rãs, do Donaltim e do Luís Delgado e misturo, nos textos, as mesmas substâncias que a maioria das discotecas do Estado mete no whisky. Peço aos amigos da Caixinhas que me ensinem a programar vírus que lixem o PC a todos e elejo o Henrique como guru da Negação, fazendo dissertações filosóficas sobre alguns das suas mais brilhantes expressões: "F**** a C*** ao cavalo", "Vacina anti-rectal", "Empresta aí 10 carapaus de santola", "Passarinho que assim chalreia já comeu muita minhoca" e "Vamos ali a baixo beber meio toque de Ratax". Em vez de um Grande Arquitecto do Universo, a Negação é inspirada esotericamente num outro, também arquitecto, que explicará como fazer sexo anal com uma prostituta, sem preservativo, nem risco de apanhar SIDA, uma vez que no final "uma labagem com xabão ajul e duas de água, permite que o potáxio constante no xecular bálsamo mate qualquer bicho. Isto confirmado por um director de infecto contagiosas";

B) Crio um blog de mega audiência, que atrairá milhares de cibernautas e consequentemente muita publicidade, tornando-me rico, qual J.K. Rowling e a criança bruxa e vendo bilionariamente os direitos de "Bernardo's way- a remarcable journey of a born loser, that becamed number one writer in the world, via internet". Instalo imediatamente diferentes sistemas de participação, a partir do princípio visitante/participante e lanço os temas: "O que fazem e o que pensam os BB antes de entrar para a casa?", "Onde deve ser o casamento de Catarina?", "Quem é realmente melhor? Emanuel ou Ágata?", "Qual o melhor programa de cultura em Portugal_ "Há horas felizes", "SIC 10 horas" ou "A hora da Gi"?", "É contra ou a favor a interrupção voluntária do coito?", "Aprenda a inverter as previsões dos Signos do Zodíaco e faça as suas próprias", "Viva a arte em Portugal! Guia para melhor compreender a tourada, o body painting, o piercing, os amoladores, os sapateiros tradicionais, os calceteiros, os ranchos folclóricos e todas as outras consideradas eruditas de acordo com programas de TV e rádio muito conhecidos" e "Porque é que os não patrióticos acham que vivemos no 3º Mundo, inclusivamente defendendo que a Polónia e a Rep. Checa nos vão ultrapassar rapidamente em tudo? Só porque têm níveis de literacia incomparavelmente superiores? Deixem-me rir!". Crio votações constantes e se possível expulsões de visitantes pelos outros, estabelecendo uma dinâmica de adversidade/empatia, que revolucionará a Internet nos próximos dois anos. Os servidores Google, Altavista e etc. lançam-se numa panóplia de desenvolvimento de sistemas que permitirá aos utilizadores expulsar outros, através de sites e blogs com campanhas contra utilizador A ou B, levando a serem retirados os direitos de utilização perpétuos aos excluídos, podendo, para aqueles que vivem da Web, criar novas situações de miséria e suicídio e desenvolvendo um sistema de prémios (quem liderar rankings de expulsar pode ganhar uma mega casa em Miami, por exemplo) e de castigos (quem liderar reincidências de ser expulso pode perder o PC, o carro ou até a casa e nalguns países legislar-se-á a expulsão como crime e a pessoa será condenada a penas variáveis). Proporciono um sistema de encontros de amizade e sexo, aliciando os utilizadores com a criação de um call center, que iludirá os mesmos através da aliciação abrupta. Faço-me amigo do JP Pereira e ele mete um link do Estado no blog dele, não lhe retribuindo o favor quando os papéis se inverterem. Compro o piso de cima (para quem não sabe a D. Maria morreu) e giro uma empresa (Estado Negação SGPS) com 200 funcionários que exploro e despeço a gosto, assediando as mulheres, proibindo todo e qualquer direito sindical e cultivando piadas rácicas e ordinárias.

C) Mantenho as coisas mais ou menos na mesma. Escrevo quando me apetecer, não faço alterações tecnológicas, declaro que é um espaço das minhas ideias sobre o PS e o Benfica, livre para quem responder por e-mail, mas continuando o lápis azul naquilo que não me interessar publicar. Os temas do costume: "Obrigado João César", "Porque é que o pessoal lê na casa de banho?" e "Porque é que os namorados não se beijam?". Continuarei a perder oportunidades de trabalho, que por mais miseráveis que sejam me dariam para me sustentar, a embebedar-me aos sábados para esquecer e a questionar algumas coisas sempre que finalmente lá arranjo alguma coisa para fazer. Essas questões são exteriorizadas. Bebo Frize de limão, faço publicidade gratuita e perco mais tempo a jogar computador e ver sites com mulheres nuas que a escrever. Imagino filmes que escreverei (que nunca sairão da gaveta), cursos que tirarei (nos quais nunca porei os pés) e desempenhos fantásticos de personagens clássicas (os quais nunca farei).

O Estado Negação é ainda assim arriscado. Imagino a Polícia Judiciária entrar-me pela casa dentro com um mandato de captura de um qualquer juiz com aspecto de cow boy, porque não só não colaboro com a produtividade do país como ando a aliciar outros que em vez de produzirem passam o tempo a ler os textos publicados. O processo torna-se um escândalo mediático e são indiciados 13,2 arguidos (a minha defesa protesta no Supremo, alegando habeas corpus, porque não se sabe quem é o 0,2, mas sem resultados positivos). Para além disso defendo ideias subversivas e revolucionárias, concordantes geralmente com o Partido Socialista (Ferro é implicado, embora eu nem seja militante, nem ele me conheça de lado nenhum) e tenha um historial no meu PC muito suspeito: fotografias de mulheres vendidas ao proibido mundo da pornografia. Constam ainda do processo (segundo fonte ligada à investigação) chamadas telefónicas eróticas, feitas há mais de quatro anos, mas que ainda não prescreveram. Não existem indícios recentes de lenocínio ou frequência de prostituição.
Preso preventivamente, saio em desgraça. Junto-me com Florbela Queiroz num negócio: linhas telefónicas de tarôt e consigo uma entrevista no Herman TVI. Troco um Fiat Uno com 25 anos e mais algum em cash por uma roulotte em segunda mão, que transformo em cozinha ambulante. Vendo couratos, farturas e traçadinhos em feiras regionais de agro pecuária e eventos similares. Redescubro a cultura do Estado e até gosto. Reencontro Floris Papagaia (divorciada de um magnata da pirotecnia tradicional) e casamos com promessas minhas de nunca mais possuir fotos esquisitas... "Até já nem tenho computador, fui expulso!", acrescento. O que faria Figo, "na plena maturação das suas faculdades"? Umas fintas? Não chega.



Comentários para hbproducoes@netcabo.pt
Mais artigos em "archives".