quarta-feira, março 29, 2006

Em defesa de Benquerença


Ainda ontem, uma semana volvida sobre o jogo Porto-Sporting os artistas do costume, no caso os comentadores do programa Trio de Ataque da RTPN, voltaram a falar das incidências da arbitragem.

Para mim este é um assunto difícil. Em primeiro porque detenho alguma informação privilegiada que não deve ser usada sem ser pelos visados e porque há um ano atrás o mesmo árbitro foi vítima de forte contestação, por causa de um lance no Benfica-Porto, não havendo até hoje a certeza absoluta que a bola entrou na baliza de Baía, tão somente a convicção dos adeptos.
Em segundo porque observo no desenvolvimento do jogo no Dragão o espelho miserável, triste e absurdo do nosso país. Desde logo a comunicação social. Ao dar voz no rescaldo a Coroado, Dias Ferreira, Jorge Gabriel, Alfredo Barroso e tantos outros está não só a gratificar a incompetência e a falta de inteligência, como está a servir a ausência total de objectividade e isenção a que estão obrigados os responsáveis dos órgãos de comunicação social. No fundo, trata-se de alimentar a polémica pura e dura sem olhar a meios para obter um só fim dividido em duas formas: ganhar audiência (pensado ridiculamente que o povo quer sangue a todo o custo, mas esquecendo que ganhando a quota dos menos esclarecidos se perde a grande quota dos que querem perceber e pensar o jogo de forma construtiva) e instaurar um clima de confusão para o final do campeonato, renhido como está.

Fernando Pessoa esclarece no seu manifesto "O provincianismo português" que existem três classes de pensadores. Essa segmentação crítica não deve ser confundida com a divisão social, embora o seu génio tenha atribuído linguisticamente categorias semelhantes. Basicamente existe o povo pensante, ou seja aqueles que não pensam e se limitam a repetir o que lhes é transmitido. A classe média que só consegue optar. Toma uma posição, contrária ou favorável e a sua reprodução não é por via dos seus próprios argumentos, mas por via da mensagem original, ou melhor da sua percepção. Finalmente a Escol, ou seja a elite dos pensadores, que racionalizam por si próprios, entendem e interpretam as matérias e realmente pensam. Dentro desta elite existe anda a Escol da Escol, ou seja o espaço para os génios. Categoria à medida do seu criador...
Efectivamente na política, no desporto, na ciência, nas artes, enfim, na vida, somos diariamente confrontados com estas classes pensantes, sendo doloroso aos que tentam pensar (e não quer dizer que consigam) falar com o povo, pois que de cassetes se tratam, que não conseguem senão reproduzir, desbobinar o que ouviram o amigo da "Bancada Central" dizer, que ainda por cima coincide com o que disse Jorge Coroado, esse rapaz que tinha um futuro brilhante como árbitro e nunca saiu da cepa torta. Talvez tenha agora o seu momento de glória, falando mal dos que sabe melhor que ninguém são sérios, porque se encontra a soldo sabe-se bem de quem e isso não é muito dignificante, nem honesto, pois não? Quem é afinal e como demonstraremos o verdadeiro homem que se encontra entre a desonestidade intelectual e a vigarice absoluta?

O jogo de futebol tem uma certeza absoluta: o erro do árbitro fará sempre parte. E não é só o futebol. Todos os desportos que tenham juiz, excluem-se por exemplo jogos como o Curling, vão ter sempre erros da arbitragem. E repare-se nos problemas de mentalidade. Nos Estados Unidos, em que o desporto é indústria maior que em todos os outros países, essa questão nem sequer se coloca no órgãos de comunicação e na opinião pública. No Futebol Americano as equipas podem pedir o visionamento vídeo de determinada decisão. No caso da decisão estar certa a equipa é penalizada, pelo que raras as vezes, aliás só acontece mesmo em finais desesperados das partidas onde as equipas técnicas arriscam tudo para inverter resultados, se recorre a esse expediente. Depois a NBA. No basket americano os juizes tomam mais decisões que nos jogos de futebol e portanto erram mais. No entanto ninguém fala sobre os erros, exceptuando os dois comentadores da Sport TV, que se fosse feita uma aferição selectiva de comentário, facilmente se verificaria que dedicam mais comentários à arbitragem que ao resto do jogo, que por acaso é tudo! Lá está a mentalidade.
Num jogo de futebol um árbitro toma, em média 450 a 500 decisões e se errar em 5 lances, significa que falhou muito pouco. Num jogo com prolongamento chega a tomar 700 decisões.
Aliás é engraçado ver como ainda sobre o jogo do Benfica com o Super Barcelona se procura enfatizar o alegado erro do árbitro, porque vi as imagens e não tenho 100% a certeza objectiva que Motta tenha tido intenção ou tenha sequer movido a mão e se esqueça os clamorosos erros de Moretto que atribuíram de mão beijada 3 lances mortais ao ataque catalão. E se um jogador de campo toma bastantes mais decisões que as que aparenta (posicionais, de passe, de remate, etc.) é pacífico que um guarda-redes tem menos, mas tão importante, influência no jogo, a não ser que falhe como as casas.

O mesmo se passou no Porto-Sporting. Porque não dizer que João Moutinho, apesar de excelente futuro jogador, não esteve à altura naquele momento decisivo onde se pedia mais experiência que talento?

Três lances, essencialmente, causam a indignação sportinguista. E antes que desatem a estapafurdar saibam que me informei antes de escrever.
1º mão de Bosingwa: segundo as leis do jogo seria um erro crasso mostrar (o segundo) amarelo ao atleta. Quando há mão a advertência só deve existir se cortar a linha de passe, se evitar um golo, ou se for mais uma de uma série de transgressões sucessivas do atleta. O que se passou é que Bosingwa procurou evitar que a bola saísse do terreno de jogo, portanto decisão acertada de Olegário Benquerença.
2º mão de Pepe: sem dúvida que o auxiliar, ao ter visto mal o lance, ou seja ao considerar que a bola bateu no peito do atleta, errou. Um erro normalíssimo, frequente e que só é um caso porque todos vimos em repetição aproximada que efectivamente o defesa cortou o lance com a mão. Acontece que no final achei, como os sportinguistas, que era pénalti. Nada mais errado. Livre directo sim, cartão amarelo com certeza, pénalti não há certeza. Será que os crentes conseguem ver fria e objectivamente que não há nenhuma certeza sobre se a falta é dentro ou fora da área?
3º segundo amarelo a Caneira: incrível. A rapaziada nem sequer se apercebeu que nesse lance houve 4 amarelos, aos jogadores que se excederam nos protestos. Decisão óbvia e correcta. Mas como a malta acha que Bosingwa deveria ter sido expulso e que só Caneira é que viu o amarelo no lance da confusão, então o árbitro e não nós, errou. Mas quem efectivamente errou foi Caneira, até mais que os outros, que por estar amarelado deveria era estar fora daquelas cenas vergonhosas. Nesse lance há uma situação inicial com Meireles, mas nem nas imagens se depreende bem o que aconteceu.

Eu, benfiquista de todos os costados, andava estupefacto com a reincidente atitude de dirigentes e adeptos em relação aos últimos jogos do clube. A única situação grave quanto a mim foi a não expulsão de Paulo Machado no jogo da Reboleira, simplesmente porque o árbitro viu e não exibiu o respectivo cartão vermelho aos dois minutos de jogo. Tudo o resto é normal e faz parte. Mas para que saibam, os técnicos não consideram o lance que dá origem ao golo do Guimarães (toque no braço de Flávio Meireles) como faltoso, embora admitam que caso o árbitro tivesse visto pudesse ter assinalado transgressão por sugestão derivada da dificuldade de avaliar a intenção num lance capital. Mas como vêem não há uma verdade absoluta. Já para não falar que com o Braga, Petit faz claramente pénalti sobre o adversário e ninguém fala. Assim como Wender morde o rabo (mau gosto na escolha anatómica) do benfiquista e não há caso e assim sucessivamente. Os dirigentes e paineleiros só fazem casos quando lhes interessa e normalmente são os grandes clubes que têm acesso garantido e carta branca para arranjar confusão.
Não obstante hoje um erro do árbitro é a nosso favor, amanhã é a desfavor. Já os erros dos jogadores não são aleatórios. Se um jogador nosso ou treinador errar, prejudica-nos, se for o adversário, beneficia-nos. Excepção para Giovanni. Às vezes engana-se e faz golo ):

Agora o Olegário. Antes de mais apesar de preparado para viver estas situações, acredito que não sejam fáceis. Ao colocar-se a opinião publicada contra ele, está-se a perverter algo importante. Estão-se a ilibar por omissão os verdadeiros corruptos e desonestos do futebol. E isso custa mais que tudo o resto. Independentemente daquilo que se pode pensar e dizer e saber, eu sem qualquer informação sobre o caso Apito Dourado tenho uma certeza, se quiserem uma convicção: haverão pessoas mais investigadas, escutadas e averiguadas que os árbitros e dirigentes, estando ou não nos processos? Claro que não. Tenho a convicção que Benquerença, Pedro Proença, Duarte Gomes, Luís Guilherme e Cunha Leal, só para citar os que são mais contestados justamente pelos arguidos e seus mandaretes, sem que nada se lhes possa apontar porque têm uma postura séria, digna e honesta, foram também alvo da Polícia Judiciária e do Ministério Público a par dos que prevaricaram. Fazem aliás parte de um grupo de forte personalidade e com determinadas características, herdadas de Vítor Pereira, que procuram através da sua atitude e dignidade, limpar e afastar os pequenos cancros que vamos tendo no nosso futebol, com origem antiga e exponencia nos idos anos oitenta.
As pequenas histórias que Olegário me conta, ligadas à postura dos atletas em campo, às reacções de dirigentes (por exemplo onde está a tal exposição que Veiga ia fazer à FIFA e à justiça portuguesa? Se eu fosse radical até diria que Veiga já pediu desculpa por todas essas parangonas que ofereceu à Bola e ao Record) e a paixão que tem pelo jogo dariam naturalmente um livro muito interessante, mas talvez não para todos porque de faca e alguidar não há nada. Ou seja a postura faz as pessoas e obriga os seus pares a respeitarem e seguirem as regras da verdade desportiva.
Um outro exemplo foi o lamentável e triste falecimento de Miki Fehér. Jogadores do Benfica e do Guimarães, dirigentes, adeptos, até os adversários Mourinho e Reinaldo Teles. A todos foram dedicadas comovidas e solidárias e justas diga-se palavras de animo e estima. E o árbitro? Sobre o momento vivido pelo árbitro numa situação limite da sua vida, alguém pensou, escreveu, se comoveu? Alguém escreveu "um abraço fraterno ao árbitro do jogo pelo momento difícil que está com certeza a passar". É sintomático. É como se nos momentos de congregação não existisse, só nos de divisão. No dia fatídico em que perdemos Miki Fehér o jogo não teve arbitragem.

Olegário Benquerença faz parte do Grupo de Elite de árbitros da FIFA. É o único português e será naturalmente o que representará Portugal nos grandes eventos do futebol: Champions (onde já apita), Europeus e Mundiais. Pena que para além de um ou outro parágrafo em rodapé, os jornais não tenham feito uma entrevista, publicado uma opinião, explicado num só artigo o percurso exigente, os níveis qualificadíssimos de avaliação e todas as restantes implicações que levam um português a estar num restrito grupo mundial.

É claro. O que é para toda esta gente opinadora estar entre os melhores dos melhores? O que interessa aos jornais e TV's sei eu. E felizmente sabem os leitores do Estado.

5 Comments:

At 8:30 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não percebo nada de arbitragem, e até admito que o Sr. Benquerença e a sua equipe seja do melhor que hà em Portugal, quem sou eu para pôr isso em causa.
Uma coisa porém, é certa,dos casos polémicos que têm vindo à ribalta,o FCP é sempre o beneficiado dos apuros técnicos da referida equipe

 
At 3:16 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Penso que o anónimo anterior não percebe de arbitragem nem de futebol de um modo geral. Além de não ter percebido a explicação que é dada neste texto dos casos polémicos do jogo em questão, que só são polémicos porque a comunicação social assim os tornou.
Cristina

 
At 7:18 da tarde, Blogger HB said...

É exactamente isso que procurei desmontar.

 
At 8:12 da tarde, Anonymous Anónimo said...

De acordo com as ideias deixadas nestes comentários, em Portugal só haverá 8 ou 9 pessoas, no máximo talvez 10, que percebem de futebol, tudo o resto são pessoas, que, estilo marionetas, são manipuladas pelos órgãos de comunicação social.
Depois, também não pecebo, porque razão havia a comunicação social de perseguir esta equipe de arbitragem.
Por acaso até foi numa das televisões, não me recordo qual, que ouvi a notícia, que o Sr. Benquerença, foi nomeado árbitro de elite (não sei se o adjectivo está correcto) da Fifa ou da Uefa, de um destes organismos.
Ora, se tivessem intenção de o perseguir não dariam notícias destas.
Depois, como sou um indivíduo cheio de dúvidas, também não percebo porque razão não se dá, neste Blog, o direito à indignação dos adeptos, dos clubes prejudicados.
Eleutério

 
At 7:58 da tarde, Blogger HB said...

Seria bom lembrar-se dessa alegada notícia. Sim é elite e é da FIFA. Este blog dá espaço a tudo: indignação, discordância, ignorância, o que se quiser. Até admite que erra, tal como os árbitros e as tais 8 ou 9 pessoas que também erram. Depois há um país inteiro que, se calhar porque não erra, não aceita os erros. Ou por outra, não aceita os dos árbitros. Os dos jogadores, treinadores e dirigentes, tudo bem.
Tenho-me fartado de rir com as conclusões do país sobre o lance de Petit em Barcelona e o do Motta na Luz. Pois que já que há tanta unanimidade, devo ser o único que pensa que sim, Petit fez claramente penalti e não, Motta não o fez.

 

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