quinta-feira, fevereiro 16, 2006

A democratização do Golfe

O Presidente Jorge Sampaio continua o seu séquito para terminar o mandato de forma a lembrar-nos quem é, de onde vem, para onde vai. Desta vez foi ao Belas Clube de Campo apadrinhar um torneio de Golfe que doravante se chamará "Taça Jorge Sampaio". E foi ao limite daquilo que um Presidente pode ir, no que à imaginação e criatividade diz respeito: propôs a "DEMOCRATIZAÇÃO DO GOLFE": Assim sem mais. Não foi a popularização da prática de golfe, não foi a promoção com vista ao aumento do mercado interno, não foi a angariação de mais gente para alimentar mais e mais campos de golfe. Jorge Sampaio deu até o exemplo dos países nórdicos, onde o povo comum pratica a modalidade. A notícia foi amplamente divulgada em todos os órgãos portugueses, mas em meu entender não se discutiu suficientemente esta matéria à posteriori. Resolvi pensar sobre a democratização do golfe e não só. Que outras áreas podem ser democratizadas? A que é que é preciso associar o nosso espírito filantrópico e solidário? Eis algumas respostas...

O ski alpino também precisa de uma democratização. Em primeiro lugar porque também nos países nórdicos, pobres e ricos, pessoas claro está, o praticam igual e regularmente. Uns com os kispos mais fashion de último grito, outros com fatos de macaco coloridos dos idos 80, verdadeiras rainhas da noite, emprestados e corroídos com o passar dos anos (uma das medidas para esta acção será a recolha de fatos de ski em desuso para serem distribuídos pelas famílias portuguesas que, sem posses, se queiram dedicar às modalidades na neve). Nesta área há um problema cultural que é preciso inverter: o tuga está habituado a quanto muito ir à Serra da Estrela fazer o tradicional sku e talvez inicialmente não entenda bem que se pode deslizar na neve em pé. Mas também para muitos de nós os tacos de golfe servem para dar umas traulitadas num companheiro de tasca num eventual desaguisado e não para colocar pacientemente uma bola num buraco a quilómetros de distância. Também para muitos de nós, humanos, a ideia de andar verticalmente seria inconcebível há umas centenas de milhares de anos atrás.
Toda a malta pode, se assim quiser, fazer ski. Se não tem posses para ir a Chamonix, vai a Soldeu/Pas de la Casa. Se não pode ir a Aspen vai a Morzine/Avoriaz e por aí fora. Há um velho pensamento que me persegue. Os ricos sabem gastar utilmente o seu dinheiro, os remediados não. Bastaria que um chefe de família não comesse e não desse aos seus filhos refeições diárias substituindo-as por almoços de três em três dias e jantares duas vezes por semana, para ter dinheiro suficiente para: comprar o conjunto de tacos de golfe ao fim de um ano, em alternativa passar uma semana de férias no Algarve com acesso ao campo de golfe em dois anos (o que sem tacos seria complicado) ou ir à Serra Nevada com o agregado familiar, forfait, meia pensão e aluguer de skis e bastões em três anos de esforço de contenção alimentar.

O modo de vida da rapaziada da Quinta da Marinha também precisa de uma democratização. E sobre esta matéria sejamos claros, sejamos muito claros: se todos vivêssemos com a qualidade de vida dos habitantes daquele território não haveria pobreza!
Em segundo lugar todos tínhamos estudado na Suíça, todos fazíamos golfe e todos praticávamos ski. Éramos todos, a bem dizer, democratas.
Se não houvesse pobres seria como se não houvesse muçulmanos e assim poder-se-ia brincar com a desgraça alheia e com Maomé, sem receios e sem o olhar retorcido do querido leitor.

Outros povos necessitam da nossa compreensão e solidariedade, como é o caso muito específico e pouco cuidado, dos povos oprimidos do Principado do Mónaco. Deve ser chato toda aquela condensação de abastados por metro quadrado, de notícias sobre a família principal, de iates, de mansões, de fortuna e de caprichos. O Presidente faz tenção de ir a Timor Lorosae (não sei se vai também democratizar o golfe em terras de Xanana), mas deveria incluir uma visita aos povos oprimidos do Mónaco só para promover mais uma democratizaçãozita.
Todas as pessoas que vivem em mansões com mais de um hectare de área habitável precisam de afecto e gestos de amizade porque vivem geralmente muito sós e têm dificuldades que nem nos passa pela cabeça. Andam mais quilómetros dentro de casa (indoor) que qualquer outro ser vivo, deitam pão fora com um beijinho no corpo de cristo e não são reconhecidos como toxicodependentes , apesar do Prozac e do Xanax e outros barbitúricos que terminam em sílabas com codas ramificadas (piada linguistica). Na realidade há o agarrado (heroinómanos arrumadores), o toxicodependente (classes médias que incluem heroína, cocaína e speed ball) e a Senhora Condessa que está com uma ligeira indisposição.

Em plena crise suscitada pela discussão sobre a liberdade de expressão há também a necessária democratização dos cidadãos que exercem directa ou indirectamente a tortura física, psicológica ou política.
Relacionado com esta matéria o nosso ainda presidente é um mestre numa área pouco democratizada que é o equívoco. Sobre a intervenção no Iraque não permitiu que as orgulhosas tropas de Portas avançassem. É um pai ao contrário: em vez de dizer "comes o bife" disse aos portugueses "pelo menos comes as batatas fritas" e pimba avançou a GNR, sem uma palavra do comandante supremo, que afinal até se pronuncia sobre cartoonistas e jornais do Reino da Dinamarca.
Claro que Bush, Blair, Aznar, Berlusconi e Durão prometeram uma guerra higiénica, limpa, onde só se atacaram alvos militares. E é também evidente que os danos colaterais que sa fodam! Mas as torturas verificadas, fotografadas, filmadas e incontestadas, desde que encaradas com o sorriso do presidente americano e uma verificável consternação do presidente português projectada na democratização do Golfe, de uma certa forma deixa-nos muito mais descansados.
A solidariedade para com os torturadores é uma democratização emergente e necessária no âmbito até quiça da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Pois que um tipo que dá umas descargas de voltagem num cabrão de um árabe, ou um militar armado até aos dentes que espanca um puto agitador (claro que árabe também) merecem o nosso respeito e consideração. Claro que José Manuel Fernandes e Pacheco Pereira, os maiores defensores da guerra junto da opinião pública o poderiam explicar melhor se não tivessem calados que nem dois filhos de um Deus maior como é o nosso, mas há eventualmente algo comum ao sujeito que tortura e ao que se cala depois de o ter legitimado.
Nas fotografias na prisão de Abu Ghraib verifica-se que a rapaziada estava divertida na prática de tão bonita e poética actividade de violentar prisioneiros, inocentes ou culpados (vale o mesmo para o caso). Não é que no recente vídeo que demonstra um "alegado" espancamento de um grupo de soldados britânicos estacionados no Sudoeste Iraquiano, também se ouve o divertimento do cameraman de conveniência? Por mais que uma tortura possa parecer chocante a verdade é que deve ser agradável praticá-la, pelo menos divertida é.

Agora é a parte em que eu próprio estou confuso. Como é que se vai da promoção da democratização do Golfe à defesa da democratização da tortura? Será que eu estou a sugerir que Sampaio ao defender o Golfe é apreciador de tortura humana, mesmo sendo-o assumidamente da tortura animal? Não, de certeza que não, mas a verdade é que a voz de um Presidente, deve ser inequívoca e não pode deixar qualquer confusão no espírito de ninguém sobre as suas causas reais, as motivações que verdadeiramente valem, a noção de missão. Antes queria uma palavra sua que condenasse a tortura que mil reportagens sociais na revista Caras.

E depois há a democratização do espírito pato bravo. Com um país paisagística e arquitectonicamente arruinado como o nosso, nada mais ecológico que desatar a contraplanar, relvar e regar a nossa paisagem, com a construção de campos de Golfe a granel. Mesmo que encerre uma contradição estratégica. Ora se o Algarve cresceu da forma como nos é apresentada a periferia de Lisboa, Reboleira, Cacém e afins, não é evidente que ao serem edificados empreendimentos de baixa categoria, o turista tipo é aquele que menos interessa? Pois não será que em vinte anos o turista, que hoje é classe média e média alta, passará a baixa e aí virão os porcos, sujos, hooligans, que não são alvo de nenhum país que pretende ter no turismo um sector chave para o seu desenvolvimento?
Onde está a concepção ambiental do território? Que variedade de propostas de qualidade ecológica, rural e/ou ambiental está a ser equacionada? Não será que os praticantes/turistas preferem campos verdadeiramente atractivos e desportivamente desafiantes a campos a eito, sem enquadramento de referência? Os campos de golfe são como as piscinas municipais?

Por fim há um território nacional onde a democratização do golfe será implementada de forma muito diferente. Justamente Jorge Sampaio conseguiu estar dez anos calado, não sobre o tal território, mas sobre a democratização nesse arquipélago que é a Madeira de Alberto João. Aí, terá de se aplicar outro conceito, onde sim proliferem os praticantes, mas não se utilizem expressões pouco convenientes. No fundo convém respeitar a ditadura estabelecida, mesmo com carros que explodem em vésperas de eleição. Afinal só estoiraram automóveis de tipos da oposição que falam em democratização e merdas dessas. Mas não a do Golfe, que é a que conta.

Para um rapaz que foi criado no Pendão, localidade da suburbana Queluz e que faz fronteira com Belas, esta ideia de democratizar era bem diferente. Nós não éramos burgueses e portanto defendíamos e praticávamos a democratização das fisgas, dos carrinhos de rolamento e especialmente a democratização de imprensa de especialidade. A todos os miúdos da vizinhança era garantido o acesso às Ginas e Tânias, afinal o primeiro contacto de muitos de nós com algo literário, que não os livros escolares. Sim, porque pornógrafo que se preze gosta é da história.
Outras causas defendemos, também como Sampaio, durante anos a fio, sem conseguirmos a sua democratização. O caso do Peão é um exemplo, por causa do Pilão, peão com biqueira d'aço, ou seja cujo prego na ponta era mais sobressaído e que tinha propensão, entre outras coisas, para destruir o humilde peão com a ponta do prego chamemo-lhe "normal".
Mas o caso que pode servir filosoficamente de exemplo para os portugueses que queiram reflectir sobre a implementação da democratização do Golfe, ou melhor, tudo o que não fazer para que uma democratização falhe, é o chamado caso Bilas.
A democratização do Guelas falhou. E falhou redondamente. Os motivos são hoje claros: a ganância e a batota, arrasaram um desporto que tinha tudo para ser devidamente democratizado. Para já era barato. Mesmo aqueles mais favorecidos que tinham sacos de rede cheios de coloridos Berlindes, não gastavam tanto como se gasta por exemplo... olhem com os tacos de Golfe. Depois havia os Abafadores, Guelas maiores e os Berlindes igualmente em vidro, mas com o banho de prata que o transforma em espelho, as chamadas Esferas. Para abafar outros Berlindes as regras dependiam. Ou se ganhava aos três buracos, ou se batia três vezes com um Abafador ou com as Esferas. Sempre se tinha era de ser mais velho que o oponente.
Aqui tenho uma grande dúvida que procurei solucionar sem sucesso, uma vez que ninguém se lembra. Talvez alguns amigos me queiram esclarecer nos comentários. Os buracos, ao contrário do mui apreciado Golfe, não tinham números. Eram como pessoas, tinham nome. Chamavam-se "primeira", "meia-cova" e "cova" os nomes dos buracos do jogo do Guelas?
Ao contrário do Golfe, no Bilas não se escolhia o instrumento por ser adequado à distância ou ao tipo de terreno como se faz com os tacos. Os Guelas eram escolhidos por fezada, havendo malta que usava determinado Berlinde várias vezes seguidas vencedor. O tradicional Pirolito era amuleto de alguns e a Estrela (Guelas complexo com uma estrelinha dentro, qual barco dentro de uma garrafa) de outros.

O problema da democratização do Guelas teve origem no histórico galmaruço. Toda a gente, quando jogava, o fazia. Quando se estava em posição de espera, denunciava-se o galmaruço adversário. Ora isto deu origem à confusão generalizada. O que é um galmaruço justo? Não há, pois não?
No Golfe, por ser um desporto ainda por democratizar, o pessoal abastado é digno. Quando se retira a bola e se volta a colocá-la na marca colocada pelo próprio player, ninguém faz batota. O problema vai ser quando o Golfe estiver democratizado. É que, pelo menos, a malta da minha criação vai toda ter tendência para ganhar uns palmos assim que tiver de recolocar a bolinha. E aí vai começar a desmocratização.


São estas profundas questões que Sua Excelência o Senhor Presidente da República colocou.

9 Comments:

At 9:13 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Embora ache de uma maneira geral que este comentário está com muito espírito e verdade, não posso deixar de te perguntar porque razão estás sempre contra a civilização ocidental, da qual, aliás, és um tão belo exemplar. Porque é que a renegas?
Já te apercebeste o quanto os árabes são tão maus uns para os outros? Onde é que está a democracia que tu tanto presas. E os grandes fossos da sociedade? Aí vais responder que nós também os temos, mas há uma verdade a qual não podes fugir. É a quantidade de árabes que procuram o mundo ocidental para poderem sobreviver com um pouco mais de dignidade, quem diz árabes diz africanos. Não são poucas as reportagens daqueles que atravessam África para vir para a Europa afirmando que preferem morrer nas tentativas a voltar para as terras deles. E para terminar gostava de te fazer uma pergunta. Sentias-te bem e em liberdade a viver num daqueles países onde queimam as bandeiras e assaltam embaixadas?

 
At 3:19 da manhã, Blogger LP said...

Definitivamente viver num desses paises onde queimam bandeiras não deve ser nada agradável. Muito menos nessa terras onde o povo escolhe morrer a fugir............
Talvez se lhes perguntares se queriam ser colonizados ou se queriam que alguém encontrasse as armas de destruição .... talvez te respondam NÃO

 
At 3:23 da manhã, Blogger LP said...

.....e já agora não te esqueças de te encontrar a resposta para a violência urbana em Lisboa na segunda geração de Africanos nascidos em Portugal.

 
At 11:06 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Ao IP que não tenho o prazer de certamente conhecer não quero deixar de informar que desde o 1º minuto sou activamente contra a vergonhosa invasão neocolonialista do Iraque. Mas não deixo de lamentar "muito" que o mundo árabe não saiba escolher o trigo do joio e que nos messa a todos pela mesma bitola. Quer isto dizer: que a educação obscurantista que lhes é dada não lhes permita distinguir o que é administração Busch do governo Dinamarquês que está na linha da frente da ajuda às ONG's que os têm procurado auxiliar.
No que diz respeito à vilolência nos arredores de Lisboa, enfim posso demonstrar algum atraso na evolução mas continuo a achar que quem está na linha da frente para educar os seus filhos e mandá-los à escola e orientá-los para uma vida socialmente eceita, são os pais. Naturalmente quando estes falham o Estado tem que assumir essa responsabilidade. Possivelmente aí falham as instituições, que normalmente são compostas por funcionários em que as principais prioridades são receber o ordenado no fim do mês, olhar o dia para o relógio para verificar quando são 5 horas para a saída e se já são 11 horas para o café da manhã e 3 para o café da tarde, assim passa-se o tempo e resta realmente pouco para cuidar dos meninos carenciados

 
At 11:41 da tarde, Blogger HB said...

Que fique claro: para mim não há nenhuma diferença entre um país que queima bandeiras e outro, o nosso, que passa o dia entretido com a trasladação de uma senhora que é o símbolo máximo de um equívoco religioso das sociedades cristãs. Acresce que provavelmente os canais generalistas de televisão nos países árabes não devem consagrar 8 horas de emissão aos desvairos fundamentalistas dos seus concidadãos.
Que fique claro: somos tão fundamentalistas como "os outros", no entanto de forma diferente. Mas também os países árabes se vangloriam que não têm violência a outros níveis, como assaltos e etc.
Que fique claro: a violência na sociedade portuguesa atribuida aos africanos é pura fantasia. Os ladrões, os homicidas, as mafias, os corruptos e os políticos que roubam são menos transgressores que os africanos? e em menor ou maior número?
Que fique claro: não me sinto nem ocidental, nem oriental. Sinto-me "cidadão do mundo", como alguém disse. Sócrates, o outro.

 
At 11:40 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Que fique claro: já alguma vez estiveste nalgum país árabe para saber quantas horas por dia os canais generalistas dedicam à difusão da religião?

Tanto quanto se sabe a única morte violenta nos arredores foi num acidente de viação. No Santuário, ao que consta não houve manifestações com tiros de metralhadora, não houve nenhum atentado suicidada despoletado por um adolescente, nem sequer de qualquer outra forma violenta terá morrido alguem. De qualquer das formas não gostaria de ver este debate de ideias transformado numa guerra religiosa, até porque, como não professo nenhuma, sinto completa distancia para poder, com um certo à vontade analisar os prós e os contras de cada uma delas.

 
At 3:54 da tarde, Blogger HB said...

Caro (a) anonymous said...:
Deixei bem claro que o fundamentalismo se vive de forma diferente. Aquilo que se passou com a Sra. Lúcia, um ano depois da sua morte, foi mais um atentado à intimidade da morte.

 
At 12:32 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Por muito que os agnósticos e ateus se insurjam a verdade é parece que se está a confirmar as previsões que indicavam que neste século vai haver um renascimento do fervor religioso.
Se esse fervor encaminhasse o mundo para o "bem" para haver mais paz, mais solidariedade, até que nem acho mal. O que está errado é se o fervor religioso nos vai levar para o ódio e para a guerra; etc. E agora não posso deixar de comentar a forma engraçada como este comentário começou, pela democratização do golf e onde já vai. Lá está as conversas são como as cerejas

 
At 3:32 da tarde, Blogger HB said...

Muito bem observado. Pode significar que os leitores do Estado escolhem os assuntos que verdadeiramente importam.

 

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