segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Match Point (toda a história de como ganhei 183 Milhões de Euros no Jackpot do Euromilhões, com apenas 4 de investimento)

O ponto de partida do último filme de Woody Allen ajusta-se bem ao júbilo que sinto neste momento. Dizem que o dinheiro não traz felicidade, mas então expliquem-me porque estou desmesuradamente feliz, incomensuravelmente alegre, desmedidamente eufórico. O filme começa com uma bola de ténis que bate na rede e fica suspensa no ar. Se cair para o nosso lado, perdemos o ponto, somos azarados. Se cair no campo do adversário, a sorte está connosco, somos vencedores.
Pertencer a esta sociedade implica ter sorte e requer aceitar os valores de sucesso relacionados com a capacidade de arranjar e ter dinheiro de forma inteligente, sendo-o mais que os outros.

Eram seis e vinte e quatro da tarde quando decidi que também ia apostar. Tinha estado muito indeciso dado só ter uma em setenta e seis milhões de hipóteses de conseguir concretizar este projecto. Resolvi, em boa hora, reduzir esse número para algo mais realista: apostando duas vezes, teria francas hipóteses uma vez que a relação passaria a uma para cerca de trinta e oito e meio milhões.
Nestas coisas convém contar um pouco com a fé. Mesmo um ateu convicto, fundamentalista posso dizer, tem motivos para evocar a fé, para acreditar que algo sobrenatural pode interferir no momento de fazer sair as bolas e entregar de mão beijada os cento e oitenta e três milhões de carapaus de bigode. Pode ser Deus, pode ser o Padre Cruz, pode ser Buda e até pode ser Maomé, com ou sem bombas na carola. Em circunstâncias tão especiais, um ateu não discrimina nenhum interventor. Naquele momento, no preciso momento em que decidi apostar, evoquei a fé, acreditei piamente que ia vencer. Em toda a minha vida só voltei a ter essa sensação mais uma vez. Quando os meus quatro pobres Euros se juntaram aos cinquenta e quatro milhões dos outros portugueses.

Preparei-me para sair mas um e-mail reteve-me. Um amigo enviou-me um divertido power-point que não podia deixar de ver. Simplesmente adoro receber essas mensagens que podem ser poéticas, com fotografias de pôr-do-sol alaranjado e buganvílias inspiradoras e que transmitem mensagens tão profundas, tão profundas, que quando acabam nos deixam uma sensação de desconforto. É como se fosse tão explicativo que não deixa espaço nenhum para a reflexão.
Mas também podem ser cómicas, como foi o caso. O que é afinal o sentido de humor? Não sei de onde me vêm estas características ditas humanistas de ser a favor da igualdade de género, de orientação sexual, contra discriminações de qualquer espécie e feitio. Mas eu, que até contra as claques de futebol sou, não pude evitar desmanchar-me a rir quando os NoName Boys exibiram uma faixa aos Super Dragões que dizia: "Bem-vindos à capital, povo de merda".
Talvez seja isso o humor, a quebra de alguma regra, de determinada lógica. Este e-mail trazia um sinal do além. Era de tal maneira cómico que anunciava o estado emocional que me viria a encontrar horas mais tarde.
Tratava-se de uma sequência racista, machista e homofóbica. Durante quinze slides não consegui parar de rir. Para finalizar um toiro acabado de ser morto em plena arena e um balão esclarecia o pensamento do matador triunfal: "Tu já não me pões mais os cornos". Muito giro. É que eu também defendo as causas da dignidade e dos direitos dos animais. Só nunca percebi muito bem o argumento dos que não acreditam que se possam defender os direitos dos animais, quando há tanto sofrimento humano no mundo. Não consigo comparar a nossa espécie com outras, simplesmente não consigo. Acho até que são direitos diferentes, não relacionáveis, de que se trata. Adiante...
Atrasado como estava, este e-mail tinha um óbvio inconveniente: o tempo que demorou a descarregar... e depois de tanta folia, eram dezoito e quarenta e sete, acreditem ou não eu só desejava receber outra sequência comediante. Seria o mesmo que por qualquer motivo mágico a SIC decidisse pôr o Herman José em directo, para nos fazer rir com as suas piadas, ou melhor ainda com uma entrevista cómica de preferência a uma personalidade estrangeira e top of the tops, uma figura de alto calibre, de Sting para cima!
Era um final de tarde destinado a ser de fantasia pura. E foi, acreditem como eu acreditei e acredito.

Só tinha jogado uma outra vez na vida, num Jackpot anterior e isso talvez seja parte do segredo do meu sucesso. Mesmo sabendo que há menos hipóteses de ganhar, porque ao contrário do que nos diz a matemática ao explicar que o número de apostadores não interfere nas possibilidades próprias de acertar, tão só aumenta as probabilidades de vários o fazerem, estou convicto que quanto mais apostarem menos chances tenho. Aliás noto uma relação curiosa, de um certo egoísmo, entre o povo português e este jogo. A pergunta que mais se ouve não é "qual é a chave?" mas sim "houve totalistas?". Isto porque apesar dos nossos desconcertantes sonhos, sabemos racionalmente que nunca nos tocará, portanto a única forma de nos consolarmos é sabermos que também ninguém se fica a rir.
Como dizia, este foi o segredo do meu sucesso. Nunca jogar, esperar pela minha vez, interpretar os sinais (os sinais são diversos: o meu cão Jaqué ainda não deu nenhum pum hoje, a vizinha de cima já deixou cair as cuecas no quintal, o bêbado da rua é apedrejado por quatro ou cinco ciganitos, só se tiverem à volta de quatro cinco anos, senão não é um sinal, etc.), aguardar tranquilamente por aquele momento em que está escrito nas estrelas e pumba! Ir triunfante ao pote buscar o ouro.
Por exemplo, eu jogo poker online. Nunca joguei um tostão é certo, faço-o no "practice play", no fundo o simulador, igualmente viciante. Sempre que fico a zeros a banca credita-me mil dolarzitos virtuais. Já lá devo ter ido oito ou nove vezes. Esta semana contudo já tinha seis mil e tal santolas americanas, quando apanhei uma piela e decidi que ia duplicar esse número. Perdi mais de metade e já só tenho três mil carapaus, mas o sinal está à vista. Desde que se esteja atento percebe-se. É que quando saí para registar a aposta, estava sóbrio.
Aqui fica a minha ameaça à Santa Casa da Misericórdia: só jogo de cento e cinquenta milhões para cima.

Saí rapidamente carregando comigo todos os problemas parecidos com os de um jovem virgem que quer comprar preservativos. Não tinha caneta, não tinha boletim e não sabia onde jogar, apesar de estar no meu bairro. Dirigi-me ao Restaurante Lucimar e lancei a discussão entre os meus amigos/vizinhos presentes. Raio de apostadores, tresadando a crença, porque embora todos já tivessem jogado, nenhum sabia ao certo onde o fazer no próprio bairro, não vá a sorte acenar num final de tarde sombrio e frio e mais que convém jogar longe, jogar bem longe, para salvaguardar o anonimato de tal feito contra a coscuvilhice generalizada. Divididas as opiniões sobre virar à esquerda ou à direita na Rua da Beneficência (cujo nome é outro sinal) decidi virar, obviamente à esquerda (mais um sinal). Chegado à papelaria "Bélgica", às dezoito e cinquenta e três, afinal não aceitavam inscrições pelo que tive de descer a Beneficência até ao cruzamento com a Filipe da Mata e fazer meia rua até alcançar o pequeno tasco que recebia palpites. Como o resto do país, também o meu bairro funciona ao contrário: a papelaria não aceita jogo que é registado num pequeno café. Preencho o meu boletim com a mágica sequência que havia sonhado e apresento-me ao senhor que no limite é o portador da boa nova, o pastor que cumprirá o ritual da absolvição e da ressurreição de um indivíduo que ao contrário de pertencer ao mundo dos deuses é ingenuamente demasiado humano, contudo à beira de mudar radicalmente de vida. Uma vida de Rei Sol, a bem dizer.
Um último pormenor. A senhora dos seus sessenta abre a porta de uma pequena e imunda cozinha e estranha o frio que a consterna. O homem, seu eventual cônjuge, esclarece que ligou o extractor porque um cliente esteve a fumar. Por cima do plano aproximado do seu rosto, mais amplo que um grande plano e em profundidade de campo, foco uma prateleira com várias marcas de cigarros. Todo o mundo está definitivamente de pernas para o ar. Não se fuma num tasco imundo, não se fuma em sítios que vendem cigarros, os extractores fazem frio, apesar das baixas temperaturas que se verificam as pessoas ainda conseguem descobrir motivos para ter mais frio, são dezoito e cinquenta e oito e um acto pessoal consequência da ganância atroz dum ainda mortal dá quatro Euros à Santa Casa. Misericórdia, meus senhores, misericórdia.

O projecto de como gastar e viver com cento e oitenta e três milhões de Euros está pensado ao pormenor e será executado minuciosamente. Sei que algum dos meus queridos amigos (ou melhor, alguns dos alguns que chegaram até aqui) já pensou sobre isso. Mas não se trata de uma mera fantasia. Aqui é a parte real dos meus pensamentos.
Um amigo meu, a quem chamamos carinhosamente General, esclareceu a sua ideia sobre como utilizar o dinheiro nestes casos. Acontece que estava desfasado uma vez que na altura partíamos de uma base de cento e vinte cindo milhões, então alguns Jackpots atrás. Ele gastaria vinte e cinco milhões e aplicava cem a prazo, o que a um juro calculado por baixo lhe garantiria dois milhões e meio/ano, ou seja à volta de quarenta mil contos por mês.
Eu quero gastar oitenta e três milhões e guardar os outros cem. Assim concretizarei os meus sonhos de investimento em várias áreas, a vida de alto luxo a que me vou dedicar e a criação de duas Fundações, dedicadas a ser um filantropo com gestão directa.
A primeira coisa que se faz é ligar a uma amiga Directora de Comunicação de um grande banco e fazer com que me abra as portas nessa mesma noite. Depois garantir que cinco milhões ficam imediatamente disponíveis para os primeiros gastos de urgência. No dia seguinte, Sábado, pegar em Eufrásia, minha esposa e levá-la em primeira classe para Roma. Aí comprar um Ferrari e mandar entregá-lo em Lisboa. Tive necessidade de fazer alguma pesquisa para esclarecer que modelo pretendo. Até agora pouco me interessavam carros e muito menos carros de largos milhares de contos. Quero este:

F 612 Scagllietti, 2005