sexta-feira, abril 23, 2004

O Caso Atkinson

Na passada terça-feira (2004-04-20) o comentador desportivo da ITV, Ron Atkinson (65 anos) acaba de comentar o jogo Mónaco - Chelsea (3-1) e retira o moderno conjunto de auriculares e microfone. Dispara uma série de comentários ao jogo e aos jogadores do Chelsea, pensando que o áudio se encontra cortado. Milhões de pessoas no médio oriente ainda escutam os modos com que disserta sobre o mau resultado da equipa de Londres. Faz comentários racistas, nomeadamente utiliza a "N word" (Neguer), em referência directa ao capitão Marcel Dessailly e especificamente dizendo que é um "fucking lazy neguer".
Nessa mesma noite rebenta um profundo escândalo em toda a comunicação social britânica que não perdoa o lapso do decano dos comentadores e ex. treinador do Manchester United. No dia seguinte é despedido das suas funções na ITV e afastado do "The Guardian", para o qual escrevia, até então, uma crónica semanal. Já hoje, Ron Atkinson, é capa de grande parte dos jornais, apesar dos seus esforços em se retratar, dando entrevistas a todas as televisões, rádios e imprensa escrita, onde afirma que não é racista e que aquele foi "um erro que lamenta profundamente".
Poderíamos agora dissertar sobre a possibilidade de um evento destes acontecer em Portugal, mas não será o caso. Correndo o risco de ser profundamente injusto para os nomeados, acho mais divertido ficcionar. Esses que me desculpem mas tem de ser! É o meu ipiranga ao futebol português e aos seus dirigentes e acima de tudo ao recente caso "Apito Dourado", que melhor deveria ser "Pinto Dourado"... Isso são outros quinhentos...




"No final do próximo SCP - SLB, Gabriel o comentador retira atabalhoadamente os auriculares comprados na Praça de Espanha e esquece-se que o microfone colocado em cima da sua mesa e proveniente da II Guerra Mundial ainda está a emitir, apesar dos ruídos contínuos durante toda a emissão. Peida-se afectuosamente para Catarro e sorri. "Foda-se! Este Benfas é uma merda! O Escarumba, Preto, Tronhé e Macaco do Mantorras nunca mais recupera e é sempre a mesma foda! Não marcamos! Nem o branquinho, ariano e simpático Sokota nos safa. Olha vou mamar mais um whisky, à conta da lagartagem, que ao menos não joga com Black trinitrons!"
A mensagem é ouvida por milhões de energúmenos que aguardam que o "cabrão do espanhol" venha dar satisfações, para depois o crucificarem em programas de cultura e interesse intelectual como "A Bancada Central", nem que seja para enviar uns sms contra a invasão hispânica, no "Portugal no coração"...

Quem rebenta com a bronca é a TVI. Interrompe pela primeira vez uma emissão especial (porque foi pensada e executada para, excepcionalmente, ter graça) de "Os Batanetes" e lança um "Especial Informação", com Manuela, Juca Magalhães e três comentadores: Tovar para assuntos desportivos e o homem que há vários anos alerta para o problema rácico no futebol português, Coissoró por ser o único político quase preto e Marcelo só para deitar achas para a fogueira. Na emissão nada de especial acontece, exceptuando a reprodução das palavras de Gabriel, cedidas por cortesia da Antena 1 (as voltas que o mundo dá) e um momento mais ou menos importante:
Marcelo - "Ó xô Narana! Você não tem complexos em ser preto..."
Narana - "Eu não sou preto! Cruzes credo canhoto! Sou monhé, isso sim..."
Manuela - "Mas está aqui na qualidade de menor étnico."
Narana - "Isso é verdade..."

As repercussões são imensas. Gera-se uma onda de solidariedade para com o pobre comentador e as televisões, os partidos, as empresas e especialmente o povo, começam a reivindicar o estatuto do mais racista. A confusão é enorme.
A SIC Notícias lança logo um debate com o realizador do "Malucos do Riso" que defende em tese académica que "nós fomos os primeiros a ser racistas na televisão portuguesa" e inclusivamente "quando há personagens pretas, não contratamos actores que não brancos e pintamo-los, à antiga, recriando um género muito apreciado pelo cinema cómico americano dos anos cinquenta". No meio do debate o advogado Marinho defende que Gabriel não deve ser detido, sem inquirição, ou instrução, ou qualquer merda dessas, mas os pretos da Cova da Moura devem ser presentes ao juiz, porque se manifestam sem razão.
Do largo do Caldas a inevitável "conferência de imprensa": O PP vai propor o fim do Dia da Liberdade e em sua substituição vai-se passar a comemorar o dia Contra o Terrorista da Ex. Colónia, a 25 de Abril. A participação dos cidadãos é obrigatória.
Pinto da Costa interrompe um estranho e longo silêncio. Desde a detenção do Major que o presidente do FCP não vem à praça pública escarrar nos portugueses. Agora, embora ao telefone, irrompe no debate com várias ideias de origem rácica e com slogans muito apreciados pelas tascas deste país: "Portugal aos portugueses! Cada Mouro é um cabrão, excepto o inho! Se o Secretário fosse preto nunca tinha ido às putas, como os bons chefes de família!". Os elogios transversais não se fazem esperar e mesmo os adeptos dos outros clubes admitem: "Se o nosso fosse assim éramos os maiores!"

A sociedade portuguesa muda profundamente: nas referidas tascas, nos clubes, nas associações, nos partidos e até nas famílias deixa de haver preconceitos e o pessoal, só por causa de uma bendita frase de Gabriel o comentador, deixa de ter vergonha e assume com orgulho e veemência, algo que estava adormecido no coração de todo o nosso povo. Deixamo-nos de simpatias e que sa fodam os pretos! Excepto o maior de todos nós, pretos e brancos, Eusébio: que ele há coisas com que não se brinca."

quinta-feira, abril 01, 2004

Exclusivo

1 - No passado sábado (27-03-2004) a Casa Museu João Soares organizou, no distrito de Leiria (o evento marcado para a Casa Museu nas Cortes acabou por ser realizado na Ortigosa para poder acolher os cerca de 600 participantes), uma conferência promovida por Mário Soares, com a intervenção de António Guterres, na qualidade de Secretário Geral da Internacional Socialista, sobre a Globalização e os Novos Conflitos emergentes do terrorismo e da guerra.

Primeiro a forma: António Guterres deu uma verdadeira lição de como discursar sem recorrer a nenhum auxiliar de memória, nem um papelinho com os tópicos... O Ex. Primeiro Ministro falou de política externa, durante uma hora, com uma impressionante capacidade de esquematização de ideias e de sequência de propostas, que fazem dele um orador único neste país.
Quanto ao conteúdo, Guterres explanou a temática de uma globalização injusta e criadora de assimetrias, cada vez mais clivadas e originárias dos actuais conflitos. Prosseguiu depois com uma tónica anti-políticas unilaterais, dando como exemplo a posição surda de Bush que considerou ter partido para a guerra por "inspiração edipiana, tentado fazer o que o pai não conseguira", derrubar Sadam Hussein.
Propôs novas formas de inter governação à escala mundial, a partir da ONU, com a devida restruturação da Organização, avançando com ideias, por exemplo, de acrescentar a possibilidade dos países com direito de veto, poderem votar simplesmente contra sem com isso estarem e inviabilizar propostas (posição não consagrada) e o alargamento do Conselho Permanente de Segurança a mais países, devendo Portugal apoiar, neste âmbito, a candidatura do Brasil. Delineou uma estratégia muito interessante que assenta em quatro grandes pilares da moderna condução da humanidade: a economia, as finanças, o ambiente e as questões sociais. Da minha parte acrescento duas alíneas que consagrem a cultura e educação por um lado e a saúde por outro.
Ficou por perceber como pretende Guterres avançar com estas propostas. A partir da IS, com Blair e seus muchachos? Não parece muito viável...
De qualquer forma esta verdadeira lição de política externa do Professor Guterres há-de ter deixado Mário Soares muito contente, uma vez que as posições do orador se aproximam muito das defendidas, há muito, pelo mestre de cerimónias...

2 - Não escondo a expectativa acrescida que tinha para esta conferência. Apresento a dois anos de distância um exclusivo: de acordo com fonte próxima do PS (escusam de puxar pela cabeça, a respectiva não estava entre os convivas), António Guterres não pretende ser candidato à Presidência da República, por motivos pessoais.
Em primeiro lugar concordo com a ideia de ser cedo para os pré candidatos se apresentarem. Não obstante, julgo que a sociedade deve discutir o tema sem tabus, uma vez que, se não forem os próprios, em nada se coloca em causa a posição do actual Presidente e se avaliam os prós e contras dos posicionados. Vamos, afinal, escolher o Presidente para os próximos dez anos e nesse sentido esta eleição é atípica, em relação às reconduções.
Esta notícia exclusiva do Estado, não é uma boa nova. Pelo contrário, estou convicto que António Guterres seria o candidato natural da esquerda e o mais bem posicionado para derrotar Cavaco Silva, sobre o qual, aliás, não percebo qual é a dúvida dos comentadores, uma vez que será de certeza candidato.
Há um dado que é seguro: grande parte do aparelho e mesmo as influências nacionais e internacionais do partido procurarão demover António Guterres de não se candidatar. Será que o Engenheiro cede e se apresenta corajosamente a escrutínio, ou fecha-se em copas e adia Belém por dez anos? A ver vamos... Pela amostra, as tropas estão prontinhas para avançar. Em caso negativo quem poderá avançar? Ouvi dizer que se prepara uma vaga de fundo para Eduardo Ferro Rodrigues. Isto vai ser bom!