quarta-feira, setembro 10, 2003

Televisão e Estratégia

1ª Parte: INTRODUÇÃO


"In Beverly Hills... they don't throw their garbage away. They make it into television shows."

Sábias palavras de mestre Woody Allen, que tão bem se apropriam a Portugal. Acrescido que o lixo é tanto que acabamos por vê-lo espalhado pelas ruas, pelos espaços públicos interiores e perto dos recipientes de recolha selectiva, porque muitos de nós não os distinguem dos convencionais caixotes.

A minha humilde, mas cuidada asseguro, reflexão não se ocupará do "so called" "telelixo", tanto mais que concluo simplesmente que nem esse sabemos fazer como deve ser, ou seja as dificuldades televisivas no nosso país cruzam todas as áreas executivas: da concepção à execução técnica, detrás das câmaras à frente, dos convénios estratégicos aos círculos executivos de bastidores, em todas as áreas reinam, em televisão, principalmente o caciquismo, a descoordenação, a falta de know how e humildade, o desaprumo profissional e o profundo desconhecimento aos níveis descritos e outros.

A nossa capacidade de ligar o aparelho nunca deveria ser inferior à de apagar, mas temo que assim seja e esse é um problema da sociedade, não da televisão enquanto meio de comunicação (principalmente) por via da informação, de divulgação de uma espécie de 2º Cinema por via da ficção e de distracção (para as almas mais pobres) por via do entretenimento. Não deve a televisão ser confundida com qualquer espécie de arte por um lado, ou motor que seja dos processos educativos e/ou pedagógicos, uma vez que numa desenfreada cadeia de exigência um dia se esperará que a televisão passe a amar os nossos filhos e a ensiná-los a serem mulheres e homens de bem. Imagine-se que (pura intuição) a maior fatia de mercado de livros está nos manuais escolares, que não deixam de ser vendidos/comprados, tendo uma importância no acompanhamento educacional, acompanhamento sim, porque da "paedagogia" cuidam em primeiro lugar os pais e em segundo os professores. Assim até se admite que a televisão possa ser um auxiliar, porventura apelativo e motivador, desde que para tal fique salvaguardada a sua missão de comunicar acima de todas as demais. E já agora, que para tal possa ser ressarcida financeiramente de todo e qualquer projecto paralelo. Fácil e comprado está o discurso de algum poder político sobre esta matéria, porque bem se vê: é mais fácil exigir que a televisão cumpra o papel do estado, que ele próprio o faça, mas contraproducente, uma vez que se os níveis educacionais e culturais forem tão baixos como os que se verificam ninguém quererá saber de nada para além do BB4, OT2 e etc.
Imagine-se que poderíamos aspirar a ter público para um canal temático de cultura, com conteúdos principalmente portugueses, não esquecendo os pergaminhos universais da arte erudita. Se calhar até temos. Mais à frente falarei desta proposta enquadrada no Serviço Público de televisão.

(De novo por mera intuição) pressinto o país a afastar-se da televisão, nomeadamente os públicos urbanos, que comandam o negócio_ ponto de partida essencial para a actual definição de televisão. Hoje é impossível imaginar este meio funcionar sem público, sem mercado (consumidores/anunciantes), sem uma clara lógica mercantilista, afinal reflexo de toda a sociedade. Mal defendida tem sido por aqueles que a colocaram na situação actual, os que tiveram ou têm responsabilidades na programação, na produção e nas estratégias comercias, se é que essas existem... Qual a quota actual da televisão no investimento publicitário no sector da comunicação?

A informação sobre esta matéria deveria estar no site www.obercom.pt ("O OBERCOM - Observatório da Comunicação é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, participada por algumas das principais empresas e associações do sector e por institutos e instituições públicas, a saber: ICS - Instituto da Comunicação Social, ICAM- Instituto do Cinema Audiovisual e Multimedia, ANACOM- Autoridade Nacional de Comunicações, IC - Instituto do Consumidor, AID - Associação da Imprensa Diária, AIND - Associação de Portuguesa de Imprensa, o CENJOR - Centro Protocolar de Formação de Jornalistas, RDP - Radiodifusão Portuguesa, a Rádio Renascença, a RTP - Radiotelevisão Portuguesa, a SIC e a Portugal Telecom.").
Os dados aí fornecidos expiram inexplicavelmente em 2001. Confirma-se. O ano em que o país parou de vez! No entanto com um pouco de persistência encontrei novo estudo apresentado pelo observatório em 3 de Junho de 2003...
Alguns dados para reflexão (os dados referentes a 2002 são uma previsão do OBERCOM):
1º- No Investimento Publicitário Líquido em 2002 a quota da Imprensa (generalizada e regional juntas) corresponde a 44,2% e a da Televisão 41,8% (247 Milhões de Euros de um total de 591 M€);
2º- A variação de 2002/01 na Televisão é de -8,2%, enquanto a do Cabo é de 37,5%, para uma quota de 1,9% e tendo em consideração que a variação 2001/00 foi de 60,0% (o Cabo evoluiu de 3 M€ em 1999 para 11 M€ em 2002);
3º- O presente estudo omite outros meios (Outdoor, Salas de Cinema, etc.);
4º- Não obstante, na variação do Volume de Negócios 2001/00 a Televisão apresenta o pior resultado: Rádio Nacional -0,9% (Local -11,1%), Imprensa 3,6% (Imprensa Regional -12,9%), Televisão -15,0% e Cabo 48,5%;
5º- A estimativa de Volume de Negócios para 2002 apresentou um aumento de 4 M€ (para 345) e em 2003 de 20 M€ (para 361), longe dos 401 M€ em 2000.

Um estudo, interessante, apresentado na página on-line da AIND- Associação Portuguesa de Imprensa (www.aind.pt) pode ajudar a explicar os dados anteriores (focalizemos no maior "concorrente", a Imprensa, comportando revistas e jornais):
1º- Perante a questão "Todos nós estamos expostos aos meios de comunicação social. Vou ler-lhe uma lista de frases e, para cada uma delas, pedir-lhe que me diga qual o meio a que melhor se aplica", a Televisão;
2º- Domina os aspectos afectivos "O meu favorito. O que mais aprecio" (45% contra 31%), "Faz-me companhia" (49% contra 17%), "Proporciona-me mais distracção do que informação" (66% contra 17%) e "Permite-me libertar do stress e das pressões do dia-a-dia" (35% contra 27%);
3º- Assegura os aspectos de versatilidade como "Hoje em dia permite uma razoável possibilidade de escolha" (47% contra 39%) e "Mantém-me actualizado no dia-a-dia" (45% contra 42%), embora perca obviamente na mobilidade "Posso utilizá-lo em qualquer ocasião ou local e quando me convém" (11% contra 61%);
4º- Perde claramente nas questões "racionais", como "Adequa-se às minhas necessidades pessoais e estilo de vida" (30% contra 36%), "Permite-me aprofundar assuntos que me interessam" (22% contra 77%) e "Dá-me informações práticas que me ajudam a decidir sobre diferentes hipóteses de compra" (27% contra 55%);
5º- Denota uma assustadora tendência negativa nos aspectos decisivos, que medem o meio enquanto criador de opinião, assim como influente nas novas linguagens e estilos, fundamentais para os constantemente renovados anunciantes (por via das permanentes inovações dos seus produtos). "Uma boa fonte de ideias. Um lugar onde posso encontrar coisas que me interessam" (24% contra 63%) e "Mantém-me a par das últimas tendências" (23% contra 49%).

É aqui que claramente se percebe que a televisão está a perder a guerra. Gozando de um prestígio ímpar por via das infinitas possibilidades de estilo, ritmo e visualidade, começa a acusar a estupidificação permanente a que está sujeita, por quem pensa pouco, pressionado e muitas vezes sem bases teóricas. Neste estudo é surpreendente o resultado a "Por vezes absorve-me completamente" (46% contra 26%). E então? É só aproveitar esta predisposição e ganhar o público, com qualidade, inovação, "afecto", charme, criatividade, magia, variedade, respeito, isenção, tecnologia, parceria, sanidade, construção, risco, alegria verdadeira, humor verdadeiro, tristeza verdadeira, drama verdadeiro. Verdade, muita verdade. Toda a verdade. Quase sempre simulada. Bem simulada, não com lágrimas de crocodilo, nem com graças sem graça. Mãos à obra! Vamos a isto.










A seguir
2ª Parte: MEMÓRIA CURTA: 10 ANOS NO MEIO