terça-feira, setembro 09, 2003

Crítica dispersa

1- Na revista Única (Jornal Expresso de 30-08-03) Clara Ferreira Alves dá largas à sua imaginação num artigo denominado "A Constituição do Iraque". Mas que largas! Terá vindo de um qualquer bailarico do PS(R), com sardinhas, imperiais e chamuças? Há uns meses atrás a Clarinha escreveu um artigo onde se queixava que a confundiam com a Clara Pinto Correia. Neste, um terço é uma citação de um outro autor. São os problemas das Claras.
Sugere esta sábia intelectual da chamuça que "depois do 25 de Abril, saía nos jornais portugueses uma notícia a dizer que o xeque Youssef Lamegan se deslocava a Portugal em viagem de reconhecimento por causa de vir integrar a equipa que elaborar a futura Constituição dos portugueses.(...)". E os devaneios vão por aí fora até à inconsciência. As Claras são contra a ida de José Lamego para o Iraque, que vai integrar a equipa de legisladores e mediadores internacionais que elaborarão a Constituição Futura do país. A mim parece-me bem e passo a explicar.
Após a bárbara ocupação por parte de americanos e ingleses, compete à comunidade internacional mediar o conflito no máximo das suas capacidades diplomáticas e políticas. Ao contrário de outros, acho que Portugal pode colaborar nos planos humanitário e diplomático. Isso mesmo justifica no terreno a presença da ONU, Cruz Vermelha e etc. Ou seja, caso a Comunidade vire costas aos iraquianos, estes ficarão à mercê exclusiva da vontade de Bush e seus falcões. Nesse âmbito e apesar das ideias utópicas das Claras & companhia, das duas uma: ou especialistas em Relações Internacionais criam uma task que obrigará os americanos a delegarem os direitos básicos de um Estado Soberano (o Iraque), ou o Sr. Bush nomeia já um velhote amigo do pai para fazer a Constituição, criar o Estado tipo e lançar todas as restantes condições pró americanas de governação.
A comparação com Portugal é absolutamente ridícula. Embora os EUA e a União Soviética tenham participado na Revolução dos cravos (através, quanto mais não seja, dos seus serviços secretos), essa colaboração foi passiva e no campo dos interesses paralelos. Só faltava que as Claras defendessem agora que a intervenção no Iraque visou a libertação do povo do ditador Saddam, embora essa tenha sido uma consequência natural, o que não quer dizer que o povo seja agora livre. É de uma estupidez atroz procurar justificar esta guerra, colocando-a no campo da "Revolução", ou "Libertação", como foi o caso do artigo citado.
Reparem, por exemplo, no processo de sucessão do primeiro ministro palestiniano: os EUA é que dizem com quem concordam que seja e a Europa tem tendência a ir atrás especialmente do novo slogan: "Yasser Arafat não faz parte da solução", repetidamente ouvido de jornalistas "especializados".
A experiência de José Lamego como Responsável das Relações Internacionais do PS, que culminou com a eleição de António Guterres como Secretário Geral da Internacional Socialista (IS), permite ter esperança que a Constituição do Iraque possa satisfazer as necessidades estruturais do seu povo. Assim sejam salvaguardados os contextos culturais, multi-religiosos e político-partidários dos iraquianos, bem diferentes das organizações estatais do Ocidente. A própria IS não pode passar ao lado deste processo.
Por fim a verificação de que a ida de José Lamego não foi bem articulada com a direcção do PS. Isto já não acho bem. De futuro seria bom que a direcção de Ferro Rodrigues tivesse mais atenção aos seus militantes de prestígio, para não correr o risco de se isolar perigosamente. Ainda por cima depois dos serviços prestados aos partido: não só os mencionados, como principalmente a última candidatura à Câmara de Cascais, no quadro político em que teve lugar.

2- A oposição é um exercício fundamental da Democracia. Como em todas as outras áreas o mais difícil é encontrar os meios de divulgação das actividades e das ideias. Como um realizador, ser líder da oposição é passar mais tempo à procura do veículo, do que a pensar as soluções. Eduardo Ferro Rodrigues será Primeiro Ministro, não sei é quando. A sua resistência demonstrada permitir-lhe-á chegar a bom porto.
Mas neste tempo de convulsão Ferro passou ao lado de um aspecto crucial: não penalizou o Primeiro Ministro pela invasão ao Iraque. Bush e Blair estão a braços com movimentos de grande contestação, que não só fazem os cidadãos respectivamente conterrâneos acreditarem que ambos mentiram quanto ao potencial militar do pais invadido, como desceram tanto nos índices de popularidade como nas intenções de voto. Ferro já deveria ter colocado a simples questão a Durão: Os coligados mentiram-lhe ou o Sr. mentiu aos portugueses? Durão afirmou ter provas que o Iraque possui armamento de destruição maciça, mas tal nunca foi encontrado e é nesse aspecto que a polémica está lançada nos EUA e no RU. Ferro poderá estar refém do pacto que provavelmente fez com Durão no dia da primeira mega manifestação contra a guerra_ ele e Blair foram os únicos líderes socialistas da Europa que não saíram à rua. Mas como corrigiu esse erro e na segunda concentração lá apareceu ao lado de Soares e Guterres, na cabeça da manifestação, relevando para segundo plano a esquerda bloquista e comunista, a sugestão mantém-se. Durão é aldrabão ou os seus fiéis companheiros de chacina é que são?

3- O envio de um corpo da GNR para o Iraque é de uma gravidade extrema. Num país onde grande parte do contingente vive a depressão das dificuldades gerais a quase todas as profissões, não é difícil encontrar 120 homens dispostos a serem voluntários... Eu acho que mal preparados, sem conhecimento logo aproveitamento razoável do equipamento alugado a italianos e sobretudo especializados noutro tipo de enquadramento profissional, esta partida dificilmente não resultará em desgraça. Depois também se pergunta: O facto de Portugal enviar um contingente semi militar e em número reduzido, não significa uma participação de âmbito meramente político, sem qualquer importância estratégica no terreno? À custa da morte de um soldado que seja?

4- Jorge Sampaio desiludiu-me outra vez. Fui seu Mandatário Distrital de Juventude na última campanha presidencial, mas hoje já não seria. Sabia que Jorge Sampaio gosta de uma tourada aqui e ali, dumas orelhas ou um rabo cortado à conta da agonia de um animal em puro estado de vida miserável. Durante o primeiro mandato passou mediaticamente ao lado destas questões uma vez que foi eleito Presidente de todos os portugueses e não deste ou daquele partido, raça, religião ou interesse. Após a segunda eleição apareceu logo a defender os touros de morte em Barrancos, o que é uma vergonha para o mais alto magistrado da nação, uma vez que esta foi a solução encontrada para resolver uma ilegalidade conhecidamente praticada em vez de penalizar e deter os prevaricadores. Como? Guerra civil? Não me interessa. De alguma maneira razoável. Se agora os homicidas se juntarem corporativamente e decidirem exigir a abolição de penas para os assassinatos que cometerem e forem em número suficiente e façam campanhas de tradição (sim matam-se pessoas há uns anos largos) convincentes, deveremos abrir excepção? É a única forma de acabar com a ilegalidade?
Agora Sampaio associou-se à homenagem a João Moura no Parque das Nações. Que miséria. O único espaço civizacional deste país recebe uma daquelas touradas valentes e com seis touros seis. Em vez de um presidente evoluído, defensor da biodiversidade, do ambiente no seu todo e de um Parque das Nações condizente com esse título, que deveria seguir os exemplos de restrições cada vez mais rigorosas no mundo contemporâneo e no que ao tratamento animal diz respeito, não. Vai mais uma garraiada, seguida de uma alternativa, numa faina esplendorosa e em triunfo constante, com a técnica da força e a força da técnica, os testículos devidamente exibidos, os saloios a aplaudirem e os verdadeiros bois de farpa afiada para espetar no lombo das suas projecções.
Tal como lhe escrevi da primeira vez: Sr. Presidente o que tem a dizer àqueles, que como eu, o apoiam desde a primeira hora que se candidatou a Presidente da CML? O Sr. é presidente de todos? E os não aficcionados?

5- Para o "Hutton Inquiry" (inquérito de alta importância a partir da morte do cientista David Kelly) a Sky News teve uma ideia brilhante: sem acesso a captar imagens na Sala de Audiências, transmite todos os dias o que lá se passa numa interpretação feita por actores. Não é nova a ideia de reconstituir determinado evento com esta técnica, mas produzir as sessões diárias de um julgamento deveras mediático é de extraordinário valor televisivo e importância jurídico/social inquestionável. À atenção das nossas televisões para os julgamentos vindouros.





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