segunda-feira, maio 14, 2007

Primeiro voo

Não deve haver pior sensação que a que estão a ter os pais e familiares de Madeleine, a menina inglesa que desapareceu. Essa angústia é extensível ao povo britânico e ao português.

O filme que fez Nuno Bernardo vencer o prémio de melhor realizador de curtas do Indie, “Primeiro voo”, aborda este problema. Os pais relembram um filho, morto na cama. E é dedicado a Tomás, uma criança que morreu num incêndio de uma tenda no Parque de Campismo de Monsanto, em meados dos anos oitenta. Foi um choque tremendo, para nós crianças, ter sabido daquela tragédia.

E relembrei, já no decorrer desta situação que a família McCann está a viver, um episódio que me ajudou a perceber o que estão a sentir. Com os meus quatro, cinco aninhos, fui para a praia e levei um brinquedo. Era um camião de plástico, que me dava imenso jeito para transportar areia. Emprestei-o a outro menino e passado alguns instantes vieram-me dizer, ele e sua mãe, que o mar tinha levado o camião.
Fiquei destroçado. Culpabilizei-me, não por ter emprestado, mas por não ter ficado ao pé do camião. Foram curtos momentos. E de repente havia uma nova noção na minha vida. A ideia de algo irreversível e de algo que eu podia ter evitado, surgiu-me pela primeira vez.
Imagino, com as devidas diferenças, que é a mesma sensação que estão a suportar os seus pais, pessoas adultas e com outras prioridades em relação ao sentimento de perda.

Há neste caso algo verdadeiramente vergonhoso. A forma como a generalidade da imprensa britânica, está a tratar o povo português. A investigação, as leis, a incompetência, o como devia ser.
Sejamos claros: é verdade que tanto jornalistas como polícias ingleses têm muito mais experiência que nós em relação a estas matérias. Infelizmente, os raptos e assassinatos de crianças são o prato do dia no Reino Unido.
Aqui, mesmo proporcionalmente, estamos a anos-luz dessa realidade. E os meios envolvidos pelas autoridades são embaraçosos, em comparação com situações anteriores vividas por portugueses. Ao mesmo tempo, porque alguém teve medo dos media ingleses, abriu-se um precedente. Nunca mais desaparecerá uma criança portuguesa sem que se empreguem esforços policiais de grande dimensão. Estamos hoje mais descansados.
O embaixador britânico ajudou a esta vergonhosa situação. E as grandes questões que se colocam são: quais os reais resultados que e forma de investigação e cobertura jornalística do Reino Unido atingem? Será que esta mega mediatização não põe, ainda mais, em risco a vida de Madeleine, que deixou de ser um isco e passou a ser também um empecilho? Não tenho resposta para estas dúvidas. Mas gostava de dados científicos.

Ele é publicidade a convidar as pessoas a irem à Internet, ele é reportagens a mostrar ingleses em ultraleve a ajudarem às buscas, com a referência a que só foi disponibilizado um helicóptero para a operação… Enfim um conjunto de disparates que não vejo vir a ter fim.

Sofrer é conseguir estar em silêncio. Soframos pois, que temo que esta tragédia seja isso mesmo: mau augúrio final, é o que nos espera. Não vale a pena tentar preencher este buraco com ilusões mediáticas. Não vale a pena. É uma desgraça.

E mais. Tanto fará se os culpados forem portugueses ou ingleses. É absolutamente irrelevante.