segunda-feira, janeiro 15, 2007

Estado de Graça

Esta denominação envolve confusão. Parece sempre que são os órgãos de comunicação social a definir quando e como termina o estado de graça de determinado governo. Assim foi em Novembro passado com uma parafernália de notícias que davam conta do fim do referido. O resto é sempre igual. Os comentadores do costume, chefiados pelos lideres das diferentes facções, Delgado, Pacheco e Marcelo, vêm logo a terreiro sustentar o fim. O resultado do passado terminus foi o que se viu: o povo a dar ampla razão a José Sócrates, demonstrando-o em sucessivas e diferentes sondagens e esclarecendo, até pela descida do PCP, que não está para aturar interesses corporativos da função pública, aquela que está estabelecida, que goza das melhores condições e que é, provavelmente, a mais incompetente. Porque a função pública que vive em trabalho precário, essa, não se manifesta porque não lhe é dada voz pelos quadros mais antigos.

Realmente é caso para dizer que uma coisa é o que diz a comunicação social, outra é o que pensam os portugueses.

Daí que a semana passada tenha sido a verdadeira semana horribilis de José Sócrates. Sem efeitos directos na comunicação social, quatro matérias servem para desgastar a classe política em geral e a governação em concreto. São factores corrosivos de grande potência, uma espécie de tumores silenciosos cujas repercussões atingem o âmago da orientação de um país até porque têm características não imediatas, mas a médio e longo prazo.

Paulo Macedo
A escandalosa remuneração do Director-geral de Impostos cria várias dúvidas. Será aquele senhor o único quadro competente capaz de cumprir aquela missão? Será que para contratar um técnico competente é necessário contornar a lei para o remunerar principescamente? Onde está a noção de serviço público? O que pensarão outros quadros também brilhantes gestores (como Mário Lino, alguns Secretários de Estado, Manuel Pinho, o próprio José Sócrates), ou pelo menos reconhecidos como tal nas empresas onde exerceram funções?
O episódio da missa foi a gota de água. Um gesto de campanha moralista que só aumenta a agonia desta situação que simplesmente lança o total descrédito sobre a alta gestão do estado.

Carrilho
Sob o signo de não ter o dom da ubiquidade, demitiu-se do cargo de vereador. É o culminar de uma série de trapalhadas e a culpa que partilha com Miguel Coelho para que o PS não seja alternativa imediata à actual gestão camarária.
Se não tem tal dom, porque foi candidato quando era deputado? Porque não evitou exercer logo, assim que foi eleito, funções de vereador? Porque deixou arrastar este processo sendo acusado de faltar permanentemente? Porque não abdicou antes de ser deputado, onde estava inserido numa lista e se demitiu de um cargo onde era cabeça de lista com toda a visibilidade e responsabilidade que isso representa?

Voos da CIA
Costumo dizer que sou contra as comissões de inquérito sobre Camarate. Simplesmente porque entendo que o caso é maior, mais discutido e mencionado que Sá Carneiro e a sua obra.
O caso da posição do governo português sobre o inquérito europeu à ilegalidade dos voos para Guantamo é a mesma coisa.
O PS, o actual Secretário-geral e todos os seus militantes e simpatizantes opuseram-se à guerra, condenando-a e manifestando a sua indignação. O que tem de ficar claro é que foi a direita portuguesa que entrou nesta aventura irresponsável e facínora.
Portanto, as demais violações da integridade humana devem ser alvo da mais elementar condenação. É que, muito estupidamente, o governo, através do ex. Ministro da Defesa e actual titular dos Negócios Estrangeiros, parece ver a coisa ao contrário.
É bom que o parlamento europeu investigue e leve a sua diplomacia às últimas consequências: envergonhar a administração dos falcões.
O que é que Portugal tem a ver com isto? Nada. Deve prestar os esclarecimentos que sejam necessários, ponto final. Não deve tomar posição antecipada, não deve embaraçar a investigação, não pode não receber qualquer missão da UE. Deve fingir-se moco. Responder e deixar o rumo natural de um processo que é puramente político. E que ainda está só no início.
Porque a perseguição jurídica a Bush será uma grande causa desta geração. E daqui a vinte anos, quem quer ter estado do lado errado?

Namoro com Cavaco
Começa a deixar a impressão que, com esta mordomia, Sócrates terá pouco espaço para apresentar o candidato natural do PS a eleições presidenciais. Sem o meu apoio, claro, Alegre tem de ir à luta.
Não tem de haver cooperação institucional nenhuma! Tem de haver coexistência. O que fará Cavaco no segundo mandato? É óbvio!



Vale para já o partido. Por exemplo, na campanha para o referendo da IGV, o SIM começava a aparecer derrotado, cinzento, a reboque da falta de vigor da esquerda quezilenta. Com a entrada do PS, em Setúbal, o SIM ganhou nova força. E, partido e Secretário-geral, não têm equívocos em relação à sua posição.
Ao mesmo tempo a direita apaga-se cada vez mais a reboque do presidente marido de uma senhora de esquerda. A vergonhosa actuação de Kátia Guerreiro em Goa é o exemplo acabado e feliz de todos aqueles que não se queriam rever numa presidência saloia que envergonha o ser português! Não se dá aquele exemplo só para pagar favores de campanha eleitoral!

Não acredito em estados de graça. Mas o melhor é não brincar com coisas sérias: aquelas que não se vêem à vista desarmada, mas que deixam mossa. Lentamente é a pior forma de perder a credibilidade que pode haver.