A Balança
1. Senso comum.
O estado de direito democrático funda-se nas eleições, na aplicação da justiça e na moral, ou seja, na luta interminável pela equidade de oportunidades sociais, para a educação e de acesso à saúde.
A justiça vive uma terrível crise. A maior de todas. Sempre que entramos num tribunal sentimos logo a principal causa da injustiça, qualquer que seja o veredicto, a que estaremos sujeitos: o tempo. Independemente do desfecho, a morosidade dos processos levará sempre a que o tempo despendido, o dinheiro gasto e a não reposição rápida da normalidade jurídica, prejudiquem quem tem razão.
Os casos públicos e aqueles a que temos pessoalmente acesso, confirmam esta tese. A crise na justiça é de tal ordem que neste momento será possível pôr em causa se vivemos ou não em democracia. Não, a justiça não está cega. A balança é que não funciona, está sempre a ser arranjada, lubrificada, substituída, mas ainda assim ninguém consegue fazer com que trabalhe. Vejamos dois casos públicos.
2. Paulo Pedroso.
Esqueçamos por agora, embora seja o aspecto mais importante, o seu envolvimento em todo o processo. Esqueçamos como foi atingido, por quem e com que intenção. Afinal nem foi constituído arguido o que, à luz do tribunal, significa que é inocente.
Pensemos sobre a sua prisão preventiva. Num gesto de dignidade política, Paulo Pedroso, apresentou a suspensão do mandato de deputado, levantando assim a imunidade parlamentar e subjugando-se à justiça como qualquer cidadão. O primeiro comentário é evidente: sabendo o que sabemos hoje, a imunidade parlamentar é um instrumento fundamental para salvaguardar as instituições, devendo competir ao aparelho político e ao indivíduo envolvido a sua gestão, que é o mesmo que dizer que aqueles que não tiverem a capacidade de bem a gerir deverão ser corrigidos pela Assembleia da República e não por qualquer outro órgão de soberania. Paulo Pedroso, ao levantar a sua impunidade, não fez nada que não lhe fosse exigido. Mas que é raro em Portugal, isso ninguém duvida. Será que o povo português tem a mesma exigência para com o apuramento total da verdade que ele teve em relação à situação? As parangonas dos jornais dizem-nos que não, desfasadas podem estar do sentimento global, mas ainda assim duvido. Atrás de uma confusão generalizada lançada contra Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues e o PS, o país aplaudiu as terríveis circunstâncias da sua detenção. Agora é incapaz de condenar a inverdade de que foi alvo.
Estamos, como esclareci, a falar da sua detenção preventiva.
Acontece que ao deputado foi determinada a medida máxima de coacção (prisão preventiva) com base na escuta de uma conversa telefónica realizada com Ferro Rodrigues a 6 de Abril de 2003. Essa conversa é transcrita em seis páginas. E os motivos da detenção são as últimas cinco linhas. Durante quase seis páginas falam do Governo PSD e questões internas do PS. Na (considerada) substância, as últimas cinco linhas da transcrição, Paulo Pedroso, avisa Ferro Rodrigues que devemos estar em alerta amarelo por causa do embaixador R.
Quando confrontado na primeira inquirição sobre o embaixador R, Paulo Pedroso vacilou, não se lembrando a quem se referia. Posteriormente recordou.
A guerra ainda não tinha começado no Iraque. Os russos opunham-se à aventura americana e azar dos azares no dia da referida escuta telefónica, os americanos atacaram (ao abrigo dos ataques esporádicos que levaram a cabo no Iraque, desde a guerra de 1991 e que visavam a manutenção da área restrita de actuação iraquiana) uma coluna diplomática russa, onde se encontrava um embaixador. O Ministério Público sustentou a sua versão com base em três argumentos:
a) O ataque à coluna diplomática aconteceu muito tempo antes da conversa. Como veio a ser provado, CNN e Washington Post e no dia seguinte em vários jornais portugueses, aconteceu nesse mesmo dia (6-4-2003) às nove da manhã, hora de Lisboa;
b) O MP defendeu que não estava envolvido qualquer embaixador. Outra inverdade. O embaixador Vladimir Titorenko saiu miraculosamente ileso deste atentado (uma bala passou entre ele e o condutor da viatura);
c) Este assunto era irrelevante para a vida portuguesa. Ao contrário ficou provado que a comunicação social (televisões inclusive) deu ampla cobertura a este assunto, o que é perceptível, uma vez que se desconhecia como reagiria Putin ao “erro” americano. Paulo Pedroso era o porta-voz do PS.
Hoje percebe-se como um episódio que afinal não deu em nenhuma reacção russa é perfeitamente despiciendo para uma pessoa que encontra em inquirição sobre o seu alegado envolvimento no processo mais mediático do país.
O que não se percebe é como é que um país inteiro deseja que o MP faça um trabalho eficaz e competente e este não consegue sequer investigar um acontecimento internacional que está escarrapachado em todos os arquivos jornalísticos e na Internet. Parece mesmo uma litigância baseada na adaptação da realidade a uma convicção prévia e estabelecida sobre Paulo Pedroso. Fosse eu especialista em direito e classificaria a fé desta litigância.
Paulo Pedroso era, à data dos factos, um dos mais importantes dirigentes do PS. Pertencia, embora todos com origens e objectivos diferentes, a um restrito grupo de “jovens” socialistas, que ninguém duvide, constituem o quadro de futuros lideres, dirigentes e ministros. António José Seguro, Jamila Madeira, Paulo Campos, Ana Catarina Mendes, Fernando Medina e outros, asseguram um futuro consistente para o partido português com melhores quadros políticos. Acresce que, embora divergente da minha identificação estrita, Pedroso assegurava a continuidade da ala esquerda do PS, cujos últimos lideres e inerente confluência com o centro do partido (não confundir com o espectro) os levam sempre a ter uma palavra a dizer, hoje como daqui a uns anos. Sampaio, Costa e Alegre ocupam um espaço que seria (será?) naturalmente de Pedroso. As implicações neste processo são impressionantes para Paulo Pedroso. E nem os 600 mil Euros que exige ao Estado português podem repor a interrupção que o seu percurso político sofreu. O tempo, a verdade e o crescimento intelectual do povo poderão permitir que volte à ribalta. Com a inteligência, força e a capacidade de sempre, é o que se deseja, agora que os factos começam a ser conhecidos.
3. Pinto da Costa.
O estado de direito democrático funda-se nas eleições, na aplicação da justiça e na moral, ou seja, na luta interminável pela equidade de oportunidades sociais, para a educação e de acesso à saúde.
A justiça vive uma terrível crise. A maior de todas. Sempre que entramos num tribunal sentimos logo a principal causa da injustiça, qualquer que seja o veredicto, a que estaremos sujeitos: o tempo. Independemente do desfecho, a morosidade dos processos levará sempre a que o tempo despendido, o dinheiro gasto e a não reposição rápida da normalidade jurídica, prejudiquem quem tem razão.
Os casos públicos e aqueles a que temos pessoalmente acesso, confirmam esta tese. A crise na justiça é de tal ordem que neste momento será possível pôr em causa se vivemos ou não em democracia. Não, a justiça não está cega. A balança é que não funciona, está sempre a ser arranjada, lubrificada, substituída, mas ainda assim ninguém consegue fazer com que trabalhe. Vejamos dois casos públicos.
2. Paulo Pedroso.
Esqueçamos por agora, embora seja o aspecto mais importante, o seu envolvimento em todo o processo. Esqueçamos como foi atingido, por quem e com que intenção. Afinal nem foi constituído arguido o que, à luz do tribunal, significa que é inocente.
Pensemos sobre a sua prisão preventiva. Num gesto de dignidade política, Paulo Pedroso, apresentou a suspensão do mandato de deputado, levantando assim a imunidade parlamentar e subjugando-se à justiça como qualquer cidadão. O primeiro comentário é evidente: sabendo o que sabemos hoje, a imunidade parlamentar é um instrumento fundamental para salvaguardar as instituições, devendo competir ao aparelho político e ao indivíduo envolvido a sua gestão, que é o mesmo que dizer que aqueles que não tiverem a capacidade de bem a gerir deverão ser corrigidos pela Assembleia da República e não por qualquer outro órgão de soberania. Paulo Pedroso, ao levantar a sua impunidade, não fez nada que não lhe fosse exigido. Mas que é raro em Portugal, isso ninguém duvida. Será que o povo português tem a mesma exigência para com o apuramento total da verdade que ele teve em relação à situação? As parangonas dos jornais dizem-nos que não, desfasadas podem estar do sentimento global, mas ainda assim duvido. Atrás de uma confusão generalizada lançada contra Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues e o PS, o país aplaudiu as terríveis circunstâncias da sua detenção. Agora é incapaz de condenar a inverdade de que foi alvo.
Estamos, como esclareci, a falar da sua detenção preventiva.
Acontece que ao deputado foi determinada a medida máxima de coacção (prisão preventiva) com base na escuta de uma conversa telefónica realizada com Ferro Rodrigues a 6 de Abril de 2003. Essa conversa é transcrita em seis páginas. E os motivos da detenção são as últimas cinco linhas. Durante quase seis páginas falam do Governo PSD e questões internas do PS. Na (considerada) substância, as últimas cinco linhas da transcrição, Paulo Pedroso, avisa Ferro Rodrigues que devemos estar em alerta amarelo por causa do embaixador R.
Quando confrontado na primeira inquirição sobre o embaixador R, Paulo Pedroso vacilou, não se lembrando a quem se referia. Posteriormente recordou.
A guerra ainda não tinha começado no Iraque. Os russos opunham-se à aventura americana e azar dos azares no dia da referida escuta telefónica, os americanos atacaram (ao abrigo dos ataques esporádicos que levaram a cabo no Iraque, desde a guerra de 1991 e que visavam a manutenção da área restrita de actuação iraquiana) uma coluna diplomática russa, onde se encontrava um embaixador. O Ministério Público sustentou a sua versão com base em três argumentos:
a) O ataque à coluna diplomática aconteceu muito tempo antes da conversa. Como veio a ser provado, CNN e Washington Post e no dia seguinte em vários jornais portugueses, aconteceu nesse mesmo dia (6-4-2003) às nove da manhã, hora de Lisboa;
b) O MP defendeu que não estava envolvido qualquer embaixador. Outra inverdade. O embaixador Vladimir Titorenko saiu miraculosamente ileso deste atentado (uma bala passou entre ele e o condutor da viatura);
c) Este assunto era irrelevante para a vida portuguesa. Ao contrário ficou provado que a comunicação social (televisões inclusive) deu ampla cobertura a este assunto, o que é perceptível, uma vez que se desconhecia como reagiria Putin ao “erro” americano. Paulo Pedroso era o porta-voz do PS.
Hoje percebe-se como um episódio que afinal não deu em nenhuma reacção russa é perfeitamente despiciendo para uma pessoa que encontra em inquirição sobre o seu alegado envolvimento no processo mais mediático do país.
O que não se percebe é como é que um país inteiro deseja que o MP faça um trabalho eficaz e competente e este não consegue sequer investigar um acontecimento internacional que está escarrapachado em todos os arquivos jornalísticos e na Internet. Parece mesmo uma litigância baseada na adaptação da realidade a uma convicção prévia e estabelecida sobre Paulo Pedroso. Fosse eu especialista em direito e classificaria a fé desta litigância.
Paulo Pedroso era, à data dos factos, um dos mais importantes dirigentes do PS. Pertencia, embora todos com origens e objectivos diferentes, a um restrito grupo de “jovens” socialistas, que ninguém duvide, constituem o quadro de futuros lideres, dirigentes e ministros. António José Seguro, Jamila Madeira, Paulo Campos, Ana Catarina Mendes, Fernando Medina e outros, asseguram um futuro consistente para o partido português com melhores quadros políticos. Acresce que, embora divergente da minha identificação estrita, Pedroso assegurava a continuidade da ala esquerda do PS, cujos últimos lideres e inerente confluência com o centro do partido (não confundir com o espectro) os levam sempre a ter uma palavra a dizer, hoje como daqui a uns anos. Sampaio, Costa e Alegre ocupam um espaço que seria (será?) naturalmente de Pedroso. As implicações neste processo são impressionantes para Paulo Pedroso. E nem os 600 mil Euros que exige ao Estado português podem repor a interrupção que o seu percurso político sofreu. O tempo, a verdade e o crescimento intelectual do povo poderão permitir que volte à ribalta. Com a inteligência, força e a capacidade de sempre, é o que se deseja, agora que os factos começam a ser conhecidos.
3. Pinto da Costa.
É até ao momento inocente e assim será até ao fim do(s) julgamento(s). Por mais que nos custe a presunção de inocência é um factor determinante para que se possa fazer e aplicar a justiça. Portanto não façamos confusão: apesar dos fortes indícios, da permanente denúncia pública a que está sujeito e de ser arguido no processo do futebol dourado, Pinto da Costa não é, por agora, um criminoso. E depois há que distinguir os processos na sua componente civil e criminal.
Li o livro de Carolina Salgado. Luís, meu fiel amigo do Restaurante, passarinhou com ele. Pedi-lho. Pertencia à cozinheira Isabel, portista ferrenha. Portanto, o livro “Eu, Carolina” que li é de uma adepta do Futebol Clube do Porto.
Li-o em duas horas e confesso que o meu primeiro instinto foi o de tirar notas literárias, para poder testemunhar a fraqueza de estilo e de narrativa. Rápido me arrependi. Porque literariamente ele não se distingue das aventuras romanescas de Margarida Rebelo Pinto ou das crónicas de Leonor Pinhão. É a mesma charada cangalheira, o mesmo virtuosismo nauseante, a mesma pornografia em jeito de sucessão de palavras, de frases e de capítulos. Não é importante.
O que verdadeiramente ressalta é o relato de uma vivência de duas pessoas iludidas uma com a outra e as duas com o mundo e gravemente debilitadas nos seus afectos. Não é só Carolina que vive a ilusão dos afectos, também Jorge Nuno é um homem sem ponto de partida nem porto de abrigo. O melhor exemplo são os relatos da quantidade de animais domésticos que foram coleccionando, transformando a sua casa e o seu quarto num verdadeiro canil e gatil com bichos adquiridos, seus filhotes e mais bichos adquiridos. Sempre pensei que quem não sabe o verdadeiro papel (sítio e relacional) dos animais não se sabe relacionar com os humanos.
Por isso comove mas não surpreende a forma abrupta como Jorge Nuno terminou a sua relação marital de 6 anos e a maneira como ambos a vivem actualmente. No ódio, na vingança, na perseguição, no medo.
E apesar de ambas as figuras serem semelhantes, fruto das circunstâncias, da pura verdade, ou de algo que não poderemos nunca determinar, Carolina apresenta-se arrependida de muitos acontecimentos, inclusive o de Ricardo Bexiga, que considera o momento de quebra de confiança no casal, sempre iludida, como se alguma vez tivesse havido.
Não sabendo o que vai determinar o julgamento, nem que papel vai desempenhar o livro de Carolina, ou se quiserem o seu testemunho, para o simples leitor não restam dúvidas. Justamente pelos motivos inicialmente expostos. Eu, Carolina, Margarida ou Leonor, não têm fantasia. Não existem personagens. A suas figuras reais, embora profundamente irrealistas, não vivem o nostos, nunca saem do mesmo sítio, é sempre onde estão e onde acabam. Não pensam, não escondem, não intuem e não nos deixam nada para descobrir. Não têm segredos e os textos são sobre isso mesmo, os segredos que não o são. O máximo onde vão é a Casinos, o máximo que fazem é amor e o pior são as noites de amor depois de um baile num casino. Nenhum leitor, por mais fodido que fique, porque ler, ler é outra coisa, não tem dúvidas que o que está perante si é a pura realidade sobre um universo obscuro onde deambulam figuras sem carácter. Um universo contudo não existente. Pode estar desfocada aqui ou ali, pode estar disfarçada por um cigarro que se acende, nunca deixará de ser a verdade factual. Porque não existe nenhuma retórica, nem estilo.
Eu Carolina, Margarida ou Leonor, desconhecem a sinédoque, a alegoria, a metáfora, a alusão e a metomínia: este último desconhecimento está na origem daquilo que pode ser a fantasia de um leitor mais criativo, o equívoco. Carolina sempre entendeu que a ida repetida de Pinto da Costa ao bar de alterne, significava uma aproximação, o início de um grande amor, que a deixava nervosa e a tremer. De forma simples: o sinal foi confundido com o significado.
Questões do Eu e as suas múltiplas aplicações e reflexões à parte, sempre poderíamos acabar por concluir que o título confronta o autor, afinal, com a inexistência, teríamos de dissecar a inexplicabilidade em Dostoiévski, estabeleçamos agora uma outra figura: a comparação.
Será que a justiça através do MP utilizou as mesmas valências nos dois casos expostos? Será que, em relação a Pinto da Costa, embora inocente até prova em contrário, não existem já dados e indícios de risco de fuga, de manipulação de prova, de contacto permanente com outros arguidos?
Porque continua em funções? Porque não se afasta por autodeterminação? Porque não é detido? Porque não lhe é aplicada a pena máxima de coacção, prisão preventiva?
Na resposta a estas questões está a total irresponsabilidade dos agentes, a falta de exigência dos pares, a fraqueza e abismo de um estado, que relembro, somos todos nós.
O adepto de futebol é, também ele, responsável. É ele que no limite é atingido. Porque, quem não gosta não tem dúvidas que há implicações que envolvem a grande maioria das cúpulas do futebol. Quem gosta pensa por clubite e não deseja que se apure a verdade. Os benfiquistas acham os seus dirigentes inocentes, assim como os sportinguistas e os portistas, etc. Mas todos esquecem que sem verdade não conseguem acreditar no próprio jogo que origina a sua paixão. E não querem a verdade. E não querem o jogo. A inexistência, lembram-se?
Porque não é detido Pinto da Costa? Quem vive afinal com impunidade?
Li o livro de Carolina Salgado. Luís, meu fiel amigo do Restaurante, passarinhou com ele. Pedi-lho. Pertencia à cozinheira Isabel, portista ferrenha. Portanto, o livro “Eu, Carolina” que li é de uma adepta do Futebol Clube do Porto.
Li-o em duas horas e confesso que o meu primeiro instinto foi o de tirar notas literárias, para poder testemunhar a fraqueza de estilo e de narrativa. Rápido me arrependi. Porque literariamente ele não se distingue das aventuras romanescas de Margarida Rebelo Pinto ou das crónicas de Leonor Pinhão. É a mesma charada cangalheira, o mesmo virtuosismo nauseante, a mesma pornografia em jeito de sucessão de palavras, de frases e de capítulos. Não é importante.
O que verdadeiramente ressalta é o relato de uma vivência de duas pessoas iludidas uma com a outra e as duas com o mundo e gravemente debilitadas nos seus afectos. Não é só Carolina que vive a ilusão dos afectos, também Jorge Nuno é um homem sem ponto de partida nem porto de abrigo. O melhor exemplo são os relatos da quantidade de animais domésticos que foram coleccionando, transformando a sua casa e o seu quarto num verdadeiro canil e gatil com bichos adquiridos, seus filhotes e mais bichos adquiridos. Sempre pensei que quem não sabe o verdadeiro papel (sítio e relacional) dos animais não se sabe relacionar com os humanos.
Por isso comove mas não surpreende a forma abrupta como Jorge Nuno terminou a sua relação marital de 6 anos e a maneira como ambos a vivem actualmente. No ódio, na vingança, na perseguição, no medo.
E apesar de ambas as figuras serem semelhantes, fruto das circunstâncias, da pura verdade, ou de algo que não poderemos nunca determinar, Carolina apresenta-se arrependida de muitos acontecimentos, inclusive o de Ricardo Bexiga, que considera o momento de quebra de confiança no casal, sempre iludida, como se alguma vez tivesse havido.
Não sabendo o que vai determinar o julgamento, nem que papel vai desempenhar o livro de Carolina, ou se quiserem o seu testemunho, para o simples leitor não restam dúvidas. Justamente pelos motivos inicialmente expostos. Eu, Carolina, Margarida ou Leonor, não têm fantasia. Não existem personagens. A suas figuras reais, embora profundamente irrealistas, não vivem o nostos, nunca saem do mesmo sítio, é sempre onde estão e onde acabam. Não pensam, não escondem, não intuem e não nos deixam nada para descobrir. Não têm segredos e os textos são sobre isso mesmo, os segredos que não o são. O máximo onde vão é a Casinos, o máximo que fazem é amor e o pior são as noites de amor depois de um baile num casino. Nenhum leitor, por mais fodido que fique, porque ler, ler é outra coisa, não tem dúvidas que o que está perante si é a pura realidade sobre um universo obscuro onde deambulam figuras sem carácter. Um universo contudo não existente. Pode estar desfocada aqui ou ali, pode estar disfarçada por um cigarro que se acende, nunca deixará de ser a verdade factual. Porque não existe nenhuma retórica, nem estilo.
Eu Carolina, Margarida ou Leonor, desconhecem a sinédoque, a alegoria, a metáfora, a alusão e a metomínia: este último desconhecimento está na origem daquilo que pode ser a fantasia de um leitor mais criativo, o equívoco. Carolina sempre entendeu que a ida repetida de Pinto da Costa ao bar de alterne, significava uma aproximação, o início de um grande amor, que a deixava nervosa e a tremer. De forma simples: o sinal foi confundido com o significado.
Questões do Eu e as suas múltiplas aplicações e reflexões à parte, sempre poderíamos acabar por concluir que o título confronta o autor, afinal, com a inexistência, teríamos de dissecar a inexplicabilidade em Dostoiévski, estabeleçamos agora uma outra figura: a comparação.
Será que a justiça através do MP utilizou as mesmas valências nos dois casos expostos? Será que, em relação a Pinto da Costa, embora inocente até prova em contrário, não existem já dados e indícios de risco de fuga, de manipulação de prova, de contacto permanente com outros arguidos?
Porque continua em funções? Porque não se afasta por autodeterminação? Porque não é detido? Porque não lhe é aplicada a pena máxima de coacção, prisão preventiva?
Na resposta a estas questões está a total irresponsabilidade dos agentes, a falta de exigência dos pares, a fraqueza e abismo de um estado, que relembro, somos todos nós.
O adepto de futebol é, também ele, responsável. É ele que no limite é atingido. Porque, quem não gosta não tem dúvidas que há implicações que envolvem a grande maioria das cúpulas do futebol. Quem gosta pensa por clubite e não deseja que se apure a verdade. Os benfiquistas acham os seus dirigentes inocentes, assim como os sportinguistas e os portistas, etc. Mas todos esquecem que sem verdade não conseguem acreditar no próprio jogo que origina a sua paixão. E não querem a verdade. E não querem o jogo. A inexistência, lembram-se?
Porque não é detido Pinto da Costa? Quem vive afinal com impunidade?
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