quinta-feira, outubro 19, 2006

The Great Portuguese

Inspirado no polémico Great Britons que a BBC Two lançou em 2002, a televisão pública lançou mãos à obra e apresenta, orgulhosa, "Grandes Portugueses", no prime time da RTP1. Queria ter começado por escrever estas palavras dizendo que seria impossível para os ingleses misturarem Shakspeare com Beckham, mas saiu-me o tiro pela culatra. Afinal lá como cá os exemplos de sodomia pública não param, desde a meia hora que Petr Chec esperou por uma ambulância com um traumatismo craniano com afundamento, até este inovador conceito televisivo e estadual.

Num certo sentido uma das vantagens das estações privadas é a sua genuinidade, ou seja, não se podem dar ao luxo de enganar os segmentos, sob risco de os perderem. Assim, fazem produtos essencialmente pimba e quando arriscam algo mais elaborado, procuram seguir à risca as regras necessárias. A televisão pública pode cuspir calmamente na face dos portugueses, fruto um pouco da ideia do utilizador pagador: pagamos, logo aceitamos.

Uma grande portuguesa
O segredo do sucesso de Maria Elisa é simples: é uma figura banal e medíocre, condição sine qua non para vencer neste país, neste meio. De facto, ninguém consegue detectar uma ponta de talento, de eficácia, um rasgo, um momento surpreendente. Ela mantém-se numa verificável linha estável, num cinzentismo permanente, num tom monocórdico, embora arrastado, como convém.
O seu percurso representa justamente a falta de chama que a conduz circularmente ao topo do poder, por linhas tortas ou direitas.
Após muitos anos na RTP, Elisa saiu para lançar a televisão privada. A convite de Balsemão, foi a primeira Directora de Informação e Programas da SIC. Acontece que a sua prestação terá preocupado o homem forte da Impresa. A conturbada relação com a redacção (em formação) e decisões escandalosas na programação (como a forma de compra de O Labirinto à cabeça) terão levado ao seu original despedimento, pouco tempo antes do arranque da emissão da SIC, substituída então por Emídio Rangel. Voltou para a RTP (doravante A Mama).
Rapidamente conquistou novo lugar de realce, ora no entretenimento, ora na informação, ora no infoentretenimento. Em 2001 foi candidata a deputada pelo PSD e uma estranha polémica obrigou-a a ter de abdicar do quadro d'A Mama. Estranha porque Maria Elisa sentiu que a Lei da Incompatibilidade a visava e ficou magoada. Depois, afirmou mais tarde, sentiu-se desiludida com o PSD e foi colocada como adida cultural na Embaixada de Londres. Outros 4 milhões de portugueses, também desiludidos com o PSD, aguardam a mesma sorte: serem colocados numa embaixada. Freitas do Amaral acabou com certas mordomias e Elisa voltou a ficar triste. Regressou a Portugal via imprensa cor-de-rosa, estabelecendo-se no Porto a cavalo num romance com o digno e sério presidente do FC Porto. Diz-me com quem andas... Terminada a relação, volta agora à Mama, que a recebe chorudamente com a merecida passadeira (vermelha?).
O seu percurso próximo não apresenta qualquer dúvida. Se fosse uma folha Excel teria na coluna horizontal três fases: entretenimento, infoentretenimento e informação. Na coluna vertical outras três: optimismo, dúvida, pessimismo. Tudo fará para restabelecer a confiança dos seus pares do PSD.

O Formato
Primeiro estranha-se, depois adora-se. É um prazer poder escolher os Grandes Portugueses. Basicamente porque não existe qualquer possibilidade de critério para tal escolha. Não, não é um programa de non sense. É a primeira experiência daquilo que pode ser um novo conceito: a televisão surrealista.
O site do programa avisa-nos logo para esse exercício: podemos votar em quem quisermos. E lembra que a lista apresentada é só uma sugestão. Mas essa sugestão demonstra bem a dificuldade que se nos apresenta: como optar entre Beatriz Costa e António Livramento? Entre Belmiro de Azevedo e Maria João Pires? Entre João César Monteiro e o Santo António? (Aqui a escolha será mais fácil para os portugueses: o Santo António só fez milagres e nunca fez um filme negro).

Poderemos sempre pensar que alguns vão votar por opção política. Será evidente o que levará uns a escolher Zeca Afonso e outros Oliveira Salazar. Outros por clubite: embora erradamente, uns decidirão que o maior português é António Jesus Correia, outros, Eusébio.
O próprio outdoor que compara Rosa Mota a Vasco da Gama é revelador. O bem esgalhado trocadilho do ouro e da pimenta, fará com que muitos optem por ela, mas é uma comparação mais feliz que, por exemplo, Diogo Cão e Maria de Lurdes Pintassilgo, brincadeira que seria parva uma vez que a grandeza de uma figura não se mede pelo nome de animal que tem.
Uma das mais dolorosas escolhas será entre o primeiro e o último chefe de estado: D. Afonso Henriques e Cavaco Silva travarão um luta renhida até ao fim, com clara vantagem para o algarvio que goza de uma dinâmica vencedora e de apoio logístico, partidário e do Palácio. Além disso, no tempo do primeiro rei, o Algarve não fez parte do formado país o que demonstra bem a intenção de voto daquele território.

Salvaguardar que Mário Soares é o único português vivo sugerido cuja fotografia tem mais de 20 anos. É um claro sinal que quem aceitar a sugestão está a votar no fantasma e não no Mário Soares, vivo, activo e que recentemente concorreu democraticamente a eleições. Ramalho Eanes, Sampaio, Saramago, Paula Rego, enfim, todos os outros Grandes Portugueses vivos têm fotografias actuais.
Depois há também o aspecto lúdico. Na emissão do passado domingo, um separador apresentava uma sequência de alguns destes portugueses. Francisco Sá Carneiro aparecia a seguir a Fernando Pessoa. Essa ideia confirma a tese de muitos de nós que acham que o poeta e o político tiveram algum tipo de relacionamento...

Os que faltam
Não obstante a oportunidade de tão divertido programa e apesar de podermos votar em quem quisermos, é no mínimo injusto que alguns portugueses não estejam na lista de sugestão a começar logo por Maria Elisa, mas também Judite de Sousa, Fernando Seara, Manuela Moura Guedes e José Eduardo Moniz.
Eu, especialmente, sinto falta de Tamagnini Nené, Minervino Pietra e Manuel Galrinho Bento.
Sinto falta de uma área para Margaridas. Rebelo Pinto, Pinto Correia e Marante são grandes e indispensáveis portuguesas.
Acho a lista dos Cintra incompleta. Se Luís Miguel, o encenador, está, porque não está Sousa, o cervejeiro e Eduardo (...) Torres o crítico/autor de programas da RTP?
O público que, como eu, gosta de uma certa traulitada estranha que não constem figuras como o Melo, arruaceiro e o lisboeta da década de 60 mais danado para andar à pêra e Rosa Casaco, que não só comandou a brigada da "Operação Outono", que visou o assassinato de Humberto Delgado, como terá colaborado no espancamento de extermínio de Arajaryr Campos embora considere que foi traído pelo autor do disparo, Casimiro Monteiro, uma vez que a operação era de rapto e não homicídio.
Ainda na dinâmica da cacetada, noutro plano, mas afinal tudo vale em Grandes Portugueses, dois deveriam ser imediatamente colocados na pool: os Pintos. João fez tudo aquilo que um português quer fazer a um árbitro e Sá, tudo aquilo que um benfiquista quer fazer ao Fernando Santos.

A bronca na GB
Basicamente o programa, em terras de sua majestade, deu barraca. Estranho. E por alguns motivos: primeiro a BBC Two resguardou o mais que pôde Winston Churchil, para que não desse uma verdadeira cabazada nos oponentes, o que veio, finalmente, a verificar-se.
A rapaziada da Universidade de Brunel montou uma mega campanha para levar Isambard Kingdom Brunel, o engenheiro inglês responsável pela Great Western Railway e por vários projectos engenhosos como pontes, túneis subaquáticos e afins, a um escandaloso 2º lugar à frente de Diana de Gales (3ª), Darwin (4º), Shakspeare (5º), David Bowie (29º) e David Beckham (33º).
Finalmente, na lista final das 100 personalidades apenas 13 são mulheres, o que irritou as feministas e deu razão aos machistas. Os irlandeses foram excluídos (Bono e Geldof), Freddie Mercury (nascido em Zanzibar) não e o primeiro escocês apareceu em 20º lugar (Alexander Flaming) e o primeiro gaulês em 23º (Owain Glyndwr).

Claro que em Portugal não se vai pôr esta questão porque obviamente Eusébio é português e pode entrar e Xanana é timorense e não pode.

A minha Lista
Ao fazer um exercício muito idêntico ao do programa, constato que, ao contrário de outros compatriotas, dou muita importância às artes, às letras e às ciências.

1- João César Monteiro
2- Eusébio
3- Chalana
4- Rui Costa
5- Santo António
6- Nené
7- Ferreirinha (gostei muito da série e convém haver quotas)
8- Humberto Coelho
9- António Damásio
10- Coluna

11- José Águas, 12- Emanuel Nunes, 13- Toni, 14- Nuno Gomes, 15- Paula Rego, 16- Diamantino, 17- Simão Sabrosa, 18- Sobrinho Simões, 19- Rui Águas, 20- Mário Wilson, 21- Bento, 22- Fernando Pessoa, 23- Pietra, 24- Bastos Lopes, 25- Fernando Meira, 26- Mário de Sá Carneiro, 27- Vítor Batista, 28- Cavungi, 29- Shéu Han, 30- Álvaro, 31- Veloso, 32- Luís Miguel Cintra, 33- O Barbas, 34- Jorge Máximo, taxista, 35- Petit, 36- Ricardo Rocha, 37- Laranjeira, 38- Alberto, 39- José Saramago, 40- Simões, 41- Costa Pereira, 42- José Augusto, 43- Alexandre Quintanilha, 44- Jaime Graça, 45- Tavares, 46- Nelo, 47- Futre, 48- Miguel, 49- Manuel Fernandes, 50- João Magueijo, 51- João Alves, 52- Carlitos, 53- Jorge de Brito, 54- José Henriques, 55- Neno, 56- Florbela Espanca, 57- Florbela Queiroz, 58- Gil, 59- Paulo Madeira, 60- José Moreira, 61- Nélson, 62- Bruno Bastos, 63- Carlos Alhinho, 64- Infante Dom Henrique, 65- Carlos Lisboa, 66- José Azevedo, 67- Vanessa Fernandes, 68- António Leitão, 69- Silvino, 70- João Pereira, 71- Nuno Assis, 72- Quim, 73- Siza Vieira, 74- Gullit (célebre líder dos NN, já falecido), 75- Cosme Damião, 76- Ribeiro dos Reis, 77- João Santos, 78- Luís Filipe Vieira, 79- José Veiga, 80- Hélio Roque, 81- Manoel de Oliveira, 82- Torres, 83- Matine, 84- Malta da Silva, 85- Arsénio, 86- Félix, 87- Pipi, 88- da Margarida Rebelo Pinto, 90- Germano, 91- Borges Coutinho, 92- Manuel Damásio, 93- Cavém, 94- Paulo Jorge, 95- Luís Vaz de Camões, 96- Artur Santos, 97- Maurício Vieira de Brito, 98- Salazar, 99- Rosa Casaco e 100- Maria Elisa Domingues!


Conclusão
Dos fracos não reza a história, diz o povo e portanto toca a votar. Aconselho vivamente o voto por chamada de valor acrescentado. Pensa que vota assim, em quem quiser, sem pagar? Não esqueçamos um objectivo secundário: os nossos impostos pagam esta charada, sem espinhas. Mas se o in come for gratificante, outros belos programas se seguirão. Esse problema não diz respeito a Maria Elisa. Por esta altura estará de novo a caminho do quadro d'A Mama.