segunda-feira, março 28, 2005

A vez de Manuel



Manuel Maria Carrilho deverá ser, esta semana, indigitado candidato do PS à Câmara Municipal de Lisboa. Há meses que não esperava outra coisa: o bom senso de José Sócrates, a perspicácia de Jorge Coelho e o altruísmo final das estruturas locais do PS, que a mim e a bem dizer à maioria dos concidadãos de Lisboa pouco interessava.

Foi o próprio Pedro Santana Lopes que explicou, com a devida ampliação e repetição, que a aventura Laranja no Governo de Portugal, começou nas autárquicas de 2001. Sustentou que foi graças à sua vitória e derrota subsequente de toda a esquerda, que o país teve uma mudança política. Muito bem! Aceitemos esse argumento: só com a derrota final em Lisboa (e também no Porto) o país aspirará a acabar com esta longa e ruinosa aventura. A vitória de Manuel Maria Carrilho, do PS e dos restantes partidos de esquerda (caso entendam participar) fechará um ciclo que foi o ciclo do pessimismo, da má governação, da tanga, da depressão colectiva. O fim do ciclo político dominado pelo PSD, que nem a eles deixará saudades, quanto mais aos outros: militantes, militantes independentes (como gosto de me considerar) e independentes.
Ainda hoje se descobrem diariamente escândalos, atrás de escândalos, seja a venda apressada e futebolística da Lusomundo, a central de 600 milhões, ou o agora evidenciado caso dos sobreiros de Benavente. E a lista só vai engrossar, especialmente quando se começar a perceber publicamente (porque nos círculos do poder, já se sabe), não só o número de nomeações, mas as extraordinárias perpetuações de altos cargos da administração pública, por via da extensão, nova contratação ou alteração das regras, políticas é óbvio, mas igualmente estatutárias. Nas águas, nas estradas, nas energias, nos hospitais, nas chefias militares e policiais e etc. o governo terá muita dificuldade em fazer valer os seus projectos, uma vez que foi quebrada a prática anteriormente comum de demissão e/ou não continuação dos mandatos em altos cargos estratégicos. Indemnizações luxuosas adivinham-se para gente sem escrúpulos nem nenhum respeito pelo jogo democrático. E pelas dificuldades dos portugueses.
Portanto isto ainda não acabou. E para mim só acabará em Janeiro, nas eleições presidenciais. O país continua refém de muita gente que não interessa, de muitos lobbies, boys e jobs.

O PS corria francamente o risco de errar a abordagem às eleições em Lisboa, caso continuasse com o tabu do candidato. E não sei, sinceramente, se não terá sido graças a Ferro Rodrigues ter prestado mais um excelente serviço ao partido, que a coisa não deu para o torto. Efectivamente a situação bicéfala de dois pré-candidatos, ao contrário das eleições para secretário geral (precisamente por não haver escrutínio), a prolongarem-se, tenderiam a fragilizar qualquer um que viesse a assumir a candidatura. Uma coisa é um cidadão, ainda que militante, dizer publicamente quem apoia, outra é uma estrutura partidária declarar apoio, ou ter preferência, ou declarar que não apoia. E ainda pior se for por fonte jornalística.
Veja-se o PSD: tem neste momento dois pré-candidatos sem que nenhum saia beneficiado, Carmona perde espaço e credibilidade e para Santana tudo é igualmente mau, por via da sua manifesta incapacidade. É claro que poderá sempre organizar um mundialito de Futebol de Praia no Terreiro do Paço, mas nem isso o safaria...
O PS, corria o risco de demonstrar que as estruturas concelhias e federativas têm um poder idêntico às do PSD pós-congresso, ou seja consoante a força de A, B é candidato. De uma vez por todas é altura de os partidos perceberem que há vida para além das quezílias partidárias e que isso só prejudica quem dá a cara. Os cidadãos estão-se borrifando para a secção, a concelhia ou a direcção sequer. Por isso toda a discussão, na praça pública, alimentada pelos dirigentes, é prejudicial. E alguém pensou que era favorável a Y ou a Z?
Ao afastar-se, Ferro Rodrigues fez, como referi, um favor ao partido. Mas teve também humildade democrática. De facto, Manuel Maria Carrilho é candidato há mais de um ano, muito antes da derrocada laranja ser perceptível aos olhos de todos. Demonstrou vontade e convicção, antes de saber os acontecimentos trágicos, hoje conhecidos, que talvez (naquela lógica santanista) tenham começado com as eleições europeias de 2004. Apresentou-se com a ambição de mudar Lisboa, de alterar a Lisboa da fachada e da trapalhada e pensar um projecto global para a cidade. Manuel Maria Carrilho é o candidato desejado pelos lisboetas e é o legítimo candidato do PS.

Nascido em Coimbra em 1951, é licenciado em Filosofia na Universidade de Lisboa e doutorado em Filosofia Contemporânea pela Universidade Nova, onde é professor desde 1994.
Tenho falado com várias pessoas que conhecem, pessoal e politicamente, Manuel Maria Carrilho. Pessoas ligadas a várias áreas, em especial das artes e da cultura. Simpatizem politicamente ou não com o PS, todos são unânimes em reconhecer que foi o melhor ministro que a cultura já teve, desde sempre. Que foi o que demonstrou um projecto, uma visão e consequência em acção política. Que apaziguou agentes e criadores, que desenvolveu uma rede nacional de cultura em diversas frentes, que projectou e dinamizou o Cinema, o Teatro, as Artes Plásticas e a Literatura. Que enriqueceu a música erudita por via das orquestras, das escolas e escolas superiores e que entusiasmou a Ópera e o Bailado. Que deu relevância à cultura além fronteiras e que se dedicou à sua estruturação e projecção em Portugal.
Para qualquer artista, a sua candidatura só pode ser positiva. E para os restantes?

Eu nunca concordei com as declarações de Manuel Maria Carrilho sobre António Guterres. Simplesmente acho que foram, em grande medida, despropositadas: no tempo e na forma. Mas reconheço que foi frontal, que não mandou dizer por ninguém, que foi corajoso e despegado. Talvez muitas pessoas se tenham revisto nas suas posições, mas dizia o instinto protector ao partido, que não era altura de abrir aquela frente desgastante e dizimadora. Ao mesmo tempo tive sempre a sensação que Guterres era o receptor de tanta crítica, por via das suas funções enquanto secretário geral. Efectivamente era o partido que precisava (ainda precisa) de um puxão de orelhas e o seu líder o representante nominativo de alguma malta eleita para que não se faça, não se mexa, não se avance. Em certa medida, António Guterres, foi o receptáculo legítimo de uma certa crise que abalava o PS e que só as grandes vitórias de José Sócrates dissipam por agora (entendo que este é um problema extensível a todos os partidos, com maior enfoque para os grandes, que se afastam das pessoas em vez de se aproximarem, mas isso é outro assunto).
Daí que não tenho dúvidas que, passado este tempo, Manuel Maria Carrilho apoiará sem hesitar uma eventual candidatura de António Guterres a Presidente. O que lá vai, lá vai e somos todos crescidos o suficiente para pormos o interesse nacional, acima das questões pessoais.

Em qualquer eleição, não se trata de eleger pessoas, mas confiar projectos. O PS fará bem em esclarecer quem quer para coordenar e comandar um projecto para a cidade. Para o candidato só agora a luta vai começar. Terá de organizar uma equipa, que naturalmente contará com listas conjuntas do Bloco e do PCP, na proporção exacta das suas valias eleitorais. Acima de tudo terá de demonstrar a sua visão, a sua ideia para Lisboa. Esta passará por cinco vertentes essenciais (sem nenhuma ordem de importância): a requalificação urbana, a ordenação do tráfego, a emancipação cultural, a preocupação social (em especial com a 3a idade) e a afirmação ambiental, matérias que requerem actividade contínua, ao contrário do actualmente praticado. Afinal quase tudo o que se tem discutido, sempre, sem que tenha resolvido. Para tal terá de apresentar projectos suficientemente inovadores, bem como o seu plano de concretização.
A isto acresce o necessário restabelecimento da auto-estima dos lisboetas, por via de eventos únicos, à escala internacional, como foram a Capital da Cultura em 1994 e a Expo 98, ou o próximo MTV Europe Music Awards. Por exemplo: Lisboa pode acolher o Earth Day, celebrado a 15 de Abril, promovido pela Time Magazine e patrocinado por grandes empresas, como a Ford Motor Company, ou a criação e organização dos I Jogos PALOP, destinados aos atletas dos países de língua oficial portuguesa. Talvez isso fosse um bom ponto de partida para uma eventual candidatura olímpica de Lisboa.

Se há matéria em que o PS não tem vergonha é do seu passado na gestão da Câmara Municipal. Jorge Sampaio e João Soares foram excelentes presidentes. O seu legado é indiscutivelmente positivo e merecedor do reconhecimento geral dos lisboetas. Desta vez, seria bom que Bloco entendesse essa necessidade de voltar a ter um projecto para Lisboa e não se afastasse desta missão, por via da sua ambição eleitoralista. Em Lisboa poderemos começar um projecto comum, que passará pelo referendo sobre a interrupção voluntária de gravidez e poderá conduzir à eleição de um Presidente do espectro socialista e social democrático. Sem prejuízo para as diferenças existentes sobre a Constituição Europeia: isso só engrandece a pluralidade democrática das Esquerdas Unidas e fortalece a visão que de nós tem o eleitorado.
Espero que todos tenham consciência do que está em jogo. Espero que, ao contrário das autárquicas de 2001, a esquerda entenda e leia bem a vontade popular, inclusivamente expressa nas recentes legislativas. Mas cuidado: parece-me consensual que o PS tem condições únicas para vencer sozinho, caso os partidos à esquerda entendam ficar fora deste desígnio.

Uma última palavra para Manuel Maria Carrilho. Por diversos motivos as suas missões não são fáceis: nem a de ganhar, nem a de, em caso afirmativo, reorganizar e projectar a sua ideia para Lisboa. Mas pode contar connosco. Nem que seja, como é o humilde caso, simplesmente para lhe dizer: Força Manuel! Bem haja! A cidade precisa de si!

1 Comments:

At 3:03 da manhã, Blogger Clara Cymbron said...

Concordo plenamente, até fiz um link para este post. É importante que as pessoas se consciencializem e que votem, de preferência PS (eh, eh, eh)...

 

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