terça-feira, março 22, 2005

AdHoc

O meu amigo Manel tinha-me prevenido na véspera. Talvez para me dar força, alertando-me para o pior, esclareceu que achava muito difícil eu passar. Disse-lhe que tinha a certeza do sucesso da operação, apesar de só 30% dos candidatos passarem na Prova de Língua Portuguesa. Perguntou-me "há quanto tempo não fazes um exame?". Quinze anos, quinze...

Correu muito mal. Foi tudo ao contrário. Fartei-me de rir e de escrever, mas salvo a avaliação ser nivelada por baixo, não conseguirei sucesso nesta operação.
Entrei na sala e disse o meu nome em voz alta. As professoras contiveram o sorriso irónico. Mesmo após a entrega do enunciado, um senhor na casa dos cinquenta, entra e começa a falar alto para as profs. A senhora à minha frente revela impaciência. Durante a prova o homem procura questionar várias vezes as responsáveis, que negam qualquer possibilidade de diálogo. A senhora da minha frente queixa-se de todas as vezes e entra em desespero: não se consegue concentrar. A mulher ao meu lado direito sai em defesa do homem perturbado, que amachuca papéis de rascunho, atrás uns dos outros. Apesar de aparentar perturbações psicológicas, o seu telemóvel toca em polifonia, por duas vezes. A mão dói-me após a transcrição do rascunho. No final, a senhora à minha esquerda pede mais tempo, pois não conseguiu transcrever metade da prova. É lhe negado e no desespero pergunta se pode entregar os rascunhos. Isso faz-me desmanchar. Terá pior nota que eu.

A prova é dirigida a todos que não tendo completado o ensino liceal, nem tendo frequentado nenhum curso superior (via AdHoc), o queiram. Numa segunda fase, os aprovados farão uma entrevista no estabelecimento de ensino que manifestaram querer frequentar no acto de inscrição (eu escolhi a Faculdade de Letras de Lisboa e o curso de Línguas e Literaturas Modernas, variante de estudos portugueses e ingleses) e posteriormente uma prova específica.
Está dividida em duas partes: a primeira de perguntas de interpretação de um texto (vale 60 em 100 pontos, sendo necessário recolher 29) e a segunda uma composição, com escolha de um tema em três sugeridos (vale 40 pontos, sendo necessário recolher 19). Eu, até entrar no metro de regresso, pensei que tinha de alcançar 50 pontos, independentemente das duas partes distintas e portanto nunca me preocupei com a improbabilidade de chumbar.

A minha estratégia era simples. De acordo com as provas, que obtive no Ministério, a parte de interpretação do texto não seria difícil mas apostaria em começar pela composição, certamente o meu ás de trunfo. Os autores (e os textos), Maria do Rosário de Morais Vaz (ano 2000), António Damásio (2001), Eduardo Lourenço (2002), Bruto da Costa (2003) e Alçada Baptista (2004), davam-me confiança. Acontece que me assustei. O texto que me foi apresentado é de João Magueijo, um físico português, 37 anos, professor de Física Teórica no Imperial College de Londres. Desconhecia-o, a ele e ao livro de onde o excerto proposto foi retirado, do seu livro "Faster than the speed of light: the story of a scientific speculation", cuja tradução para português, "Mais rápido que a luz", tem edição da Gradiva. Ignorância e mea culpa, inclusivamente porque o livro teve alguma polémica, dizem-me, devido às expressões vernáculas utilizadas pelo autor, embora omissas no referido exame.
O texto fala de ciência, Einstein, cosmologia e astrologia (para simplificar a leitura ao target maioritariamente licenciado deste humilde blog) e por isso assustei-me. Decidi encher o peito de ar, a melhor estratégia para quando temos medo e fazer primeiro a parte de interpretação. Entre a leitura cuidada, as nove páginas de rascunho e a transcrição e edição para as três páginas da folha de prova (que não pode apresentar rasuras) demorei duas horas e quarenta minutos. A última pergunta nem escrevi em rascunho, mas directamente para as cinco linhas que me faltavam: "Escolha uma outra personalidade marcante na história do pensamento em qualquer domínio (científico, político, artístico ou outro) e explique em que foi relevante a contribuição dessa personalidade. (Extensão aconselhada: 8 a 10 linhas)". Vago? Talvez, por isso toca a encher, de novo, o peito de ar. Woody Allen, a influência de Kierkegaard, a fluência experimentada em gags e a afirmação: "o mais europeu dos cineastas americanos".
Não obstante a fraca resposta (valia 6 pontecos), as gralhas e os poucos erros de português (normais sem o viciado auxílio do corretor e/ou do Priberam), dificilmente não alcançarei os 29 pontos necessários. O pior era o resto: vinte minutos, uma composição por fazer e por transcrever. 19 pontos em 40, necessários. Foda-se! Erro de principiante.

Por essa altura, há 10 minutos que o senhor de 50 e tal anos abandonara a sala com um monte de papéis amarrotados, ar de chateado com o sistema e sem esclarecer se entregou a ficha de prova, ou a levou consigo. Consegui rir de novo.

E pronto o resto não é difícil de imaginar. Um texto que mereceria um delete imediato, caso o fizesse para este blog. Enfim. Para o ano volto e dessa vez, espero, para matar. Aqui fica porque prometi. Quem me manda falar demais?

"TEMA B
Não se pode, hoje, dissociar direitos democráticos e direitos de cidadania. A cidadania política, que engloba as eleições livres com o direito universal de escolher os seus representantes, nãos se concebe sem os direitos sociais, iguais para todos - direito à educação, à saúde e todo o tipo de serviços.
José Gil, Portugal, Hoje - O Medo de Existir"

"Nos tempos modernos a democracia não chega. A ideia de participação popular por via do voto simples, não é suficiente só por sustentar o próprio conceito de governo do povo, como não basta para acalentar a participação de todos. Por isso tanta abstenção: na urna e na discussão.
Uma nova ideia de cidadania ganha força. José Gil, no excerto apresentado, refere a cidadania política como uma nova forma de democracia, mas que inclui os direitos sociais (à educação, saúde, cultura, ambiente e serviços).
É desse espírito no fundo que emana o projecto europeu. Uma união de povos e estados que aspiram uma política financeira de dar e receber (Quadros Comunitários de Apoio e Mercado Livre, tudo com moeda única). Mas o projecto europeu é o projecto do "Health Care System", da Missão Social. Do sonho, da ambição de um território com igualdade para todos. Que aspire a acabar com a pobreza e os seus malefícios.
E em Portugal? Em Portugal o tempo urge! O direito à cidadania é também o dever. De participar, de exigir, de dar e também de receber. Não há tempo! Há que deitar mãos-à-obra. Para um Portugal mais justo, mais cívico, mais desenvolvido. Um Portugal igual."

E terminei com uma frase, não rascunhada, que sustenta que a ideia que a cidadania se dirige ao indivíduo em oposição ao Estado Massivo.
Não chegou às duas páginas, mínimo exigido e o conteúdo é o que se vê.
Saí e emborquei uns hambúrgueres no McDonalds, para mandar às couves o Health Care, fumei três ou quatro cigarros para estragar o peito de ar. E sorri a pensar que não estarei nunca como o senhor maluco do AdHoc. Será?

Modéstia à parte, mesmo no caos surge a esperança. Este texto de merda contém uma ideia brilhante. Um slogan, que darei a quem de direito. "Portugal Igual" (e que serve para acrescentar, caso necessário, as várias áreas: na saúde, na justiça, etc., enfim o que se quiser).

E agora sugiro que o amigo leitor atribua uma nota (de 0 a 40) a um pobre escrivã, que mesmo falhando não desiste. Vá, não quero benevolência. Podem malhar. Farei, por dias, de Pedro Santana Lopes do AdHoc. Que o Portas era o outro senhor.

13 Comments:

At 6:04 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Caro amigo,
Eu sei que foi lapso, mas não posso deixar de dizer que escrivã significa: "freira que tinha a seu cargo a escrituração de um convento". Não me parece que seja este o teu caso. Mas logo que acrescentes o o e passes a escrivão, tudo se resolve :-)
Foi uma pena a falta de método, para a qual os teus amigos licenciados tentaram alertar-te... mas tu não és maluco mas és teimoso, isso sem dúvida!!
Ainda assim, estou certa que vais ter um bom resultado. Estas provas servem também para avaliar a maturidade e a capacidade de relacionar ideias, conceito, cultura... tenho fé em ti e espero que o teu slogan seja na mouche. O País precisa. Por mim, tens muitos pontos, não sei quantos.
Boa sorte! OB

 
At 9:14 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Eu também não sei quantos pontos, mas estou a acabar o meu curso e nunca seria capaz de fazer uma prova assim como tu fizeste, é realmente necessário concentração e organização, pelos vistos, ainda assim acho que não pontuaste não mal como pensas e ainda tens uma possibilidade este ano, se não, como tu muito bem dizes para o ano estás lá! E com a experiência acumulada não falhas!

 
At 6:02 da tarde, Blogger HB said...

Malta: o primeiro comentário (da OB) é da minha namorada, apesar de querer disfarçar com caro amigo. Só para que entendam melhor o seu prejudicial comentário, refiro apenas que me trata por Panas, diminutivo de Paneleira. Como é que com este tipo de apoio posso ser bem sucedido nas lides académicas?

Dias: não te subestimes. Mesmo se fores de ciências a prática de frequentar exames conta muito. Obrigado pelo encorajamento! Abraço.

 
At 7:07 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Para já há ali um "não" que era para ser "tão", paciencia. EU sou de sociologia e os exames costumam-me correr bem, até porque nunca estudei para um na vida e estou no último ano, claro que também o curso tem 4 anos e eu estou no 5º a caminho de ternminar no 6º! Mas a verdade é que muitas vezes o resultado de um exame assim tem a ver com o corrector, há os que apreciam método, outros conteudo, se apanhares um que preferir o conteudo passas. (E desculpem lá eu não rever os textos nos comentários, principalmente os comentários do blogger que são uma autentica queima de tempo!
Ainda sobre o teu texto, qual é o problema do teu nome? Costumas ser gozado é?

 
At 7:40 da tarde, Blogger HB said...

Gozado não... É mais do género: conheço de qualquer parte...):

 
At 3:12 da manhã, Blogger Clara Cymbron said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

 
At 3:14 da manhã, Blogger Clara Cymbron said...

Caro HB estou no 4º ano de psicologia e fui aluna de humanidades e, na minha opinião, fez um exame muito bom para quem só tinha 3 horas. Parabéns pelo exame e pelo blog, que não conhecia. Grande blog e ainda por cima de um camarada socialista :) vou já fazer um link no meu.Já agora thanks Dias por me teres "guiado" nesta descoberta.

 
At 10:53 da manhã, Blogger Mario Garcia said...

Caro Humberto: a culpa é do sistema.

E este nosso sistema educativo é de tal forma tenebroso que, só por teres ido fazer o exame, merecias a nota máxima!

De resto, quanto ao resultado final, aproveita e joga também no Euromilhões, que há Jackpot esta semana.

Ou seja, só sai a quem vai a jogo.

Boa Sorte.

 
At 11:07 da manhã, Blogger HB said...

Clara: qual é o blog?

Mário Garcia: obrigado pelas palavras sempre simpáticas. Tens sido um bom estímulo aqui no Estado. Quem me dera que fosses assim no PS: positivo e incondicional...

 
At 12:00 da tarde, Blogger Clara Cymbron said...

HB o meu bolg é o www.malucaprofissional.blogspot.com, mas basta clicar sobre o meu nome para chegar lá. ;)

 
At 4:58 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Meu caro HB tb. eu me submeti a esse turtuoso caminho para atingir o fim....mas o que vou conseguir é mesmo o fim da possibilidade de tentar alguma coisa este ano pois na EEACAES não passo.Só para dizer que o teu rascunho parece...mesmo um rascunho, mas penso que o teu rascunho será melhor que a minha composição, que já agora escolhi esse mesmo tema.

 
At 7:22 da tarde, Blogger HB said...

Os resultados saiem quando, sabes?

 
At 5:52 da tarde, Anonymous Anónimo said...

meu caro camarada este ano tambem irei submeter-me a esse exame que pelo que disseste parece ser um bicho de sete cabecas, espero sinceramente que.em breve entrarei em hibernacao para que tudo me corra pelo MELHOR. boa sorte para ti tambem, UM ABRACO

 

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