segunda-feira, dezembro 06, 2004

Já Foste

Não é difícil perceber que o jornalismo e os jornalistas caminham abismalmente para o mesmo grau de descrédito que gozam, nas sociedades modernas, a política e os políticos.
Em vez de se darem ao respeito, ambos se desviam dos povos, por via dos caminhos fáceis da mentira, da manipulação e da desonestidade.

Durante toda a semana mais longa da democracia portuguesa, todas as parangonas, manchetes e quantidade de tempo e espaço nos telejornais e jornais foram dedicados ao PSD, a Santana e a Portas. Na mesmíssima semana em que o Presidente Sampaio acordou para o óbvio e demitiu esta farsa a que se chama governo, os jornalistas, as redacções e os critérios editoriais preferiram optar pelo contrário do que os portugueses acham essencial: como governar o nosso país?

Não. Ele era a reunião da Comissão Política, a preparação das listas separadas, nova reunião da Comissão não-sei-quê, o comício na Póvoa a chamar mentiroso ao chefe de estado, o livro do mordomo do Cavaco, a auditoria aos pesos pesados, a nostalgia salazarenta de Pacheco, conferências de imprensa de Rui Rio, Miguel Relvas, Dias Loureiro, flash interviews de Rui Machete, Carlos Encarnação, Macário Correia e até o ressuscitar de Deus Pinheiro, cinco meses depois de levar a maior cabazada eleitoral da história. Durante todos os dias da semana em que Sampaio fez justiça ao desejo do povo de se ver livre desta cambada, as redacções criaram um reality show alucinante, que procurou criar um sentimento verdadeiramente novo no país: termos saudades imediatas destes senhores que, apenas há uma semana, nunca nos deixariam saudades nenhumas, a não ser de os ver pelas costas.

Ninguém terá parado para pensar que este é o retrato exacto daquilo que os portugueses estão fartos e se vão preparar para o demonstrar nas urnas? Da pequena intriga, das reuniões intermináveis, das facadazinhas, da retórica, da ausência de uma ideia? Uma só ideia. Enquanto o país implode em crise profunda.

Quando foi primeiro ministro Cavaco olhou para o lado e viu um rapaz simpático e frequentador das festas sociais, qual Quinta das Celebridades da altura e decidiu que este perfil era perfeito para gerir a cultura deste país, sempre no âmbito, a que a sua sensibilidade lhe permite, de uma Secretaria de Estado, não mais, porque, tal como no ambiente, tínhamos de ser dos últimos países da Europa civilizada a reconhecer a importância estratégica destas duas áreas.
Cavaco, por assim dizer, criou o monstro, conferindo-lhe estatuto moral para iniciar o seu trajecto político a partir da Secretaria de Estado da Cultura, apesar da forma desastrosa como já na altura exerceu funções.
E agora o anjo Cavaco queixa-se de quê? E pior: de quem? Seria o mesmo que Guterres vir à praça pública chamar incompetente a Sócrates, só para tacitamente se demarcar do futuro desgaste governativo.
Este movimento nacional pró-Cavaco parece fazer esquecer algumas coisas que esse senhor fez a um país brindado, então como nunca, de fortes apoios financeiros da EU, mas que não obstante deixou a governação com um défice das contas públicas de 9%, para não relembrar a grave crise social, em múltiplos sectores da sociedade e uma taxa de desemprego que envergonha qualquer um. Eu não tenho memória curta e não esqueço que no computo geral, Cavaco errou mais que o que acertou, foi pior governante que o que se afirma por aí e, ao contrário de um espírito quase unânime qual Saddam, eu não votarei nunca nesse senhor, nem para Presidente da Junta de Nossa Senhora de Fátima, quanto mais para a República.

Voltando à semana dos Apóstolos, Pedro e Paulo (ideia original de Cinha Jardim). A juíza de Gondomar ainda tentou estragar a festa com a medida de coação de identidade, prostituição e Dragão, mas não teve sorte. E já nem sei se neste regabofe, o acontecimento mais importante da próxima semana, o aniversário e jantar de Mário Soares, não vai ser relegado para segundo plano, na perspectiva da cobertura mediática dominante e por exemplo, o comício de Paulo Portas em Vila Nova de Famalicão, ter honras de abertura nos três telejornais, com os quinze minutinhos da ordem.

Não sei o que hei-de esperar do povo português. Mas deixo uma dica. Evitem a necessidade de criar, em Portugal, um site destes:

www.sorryeverybody.com