sexta-feira, novembro 16, 2007

Eu já sabia

Numa fervorosa, contudo afectuosa, conversa com uma jornalista foi-me explicado que estética pretendem as redacções das estações televisivas.

Repliquei dizendo, não só, que tinha consciência, como procurei manifestar que isso não era forçosamente um elogio aos responsáveis. Pelo contrário. O gosto piora, envelhece, estupidifica e, mais assustador, unifica-se. Ao contrário do sentido da vida, as cores, alinhamentos, temas, formas de abordagem, assuntos, motivações… De olhos fechados ninguém se individualiza, de olhos abertos é impossível.

Nem a propósito, hoje, as estações (ainda não vi se RTP incluída) mostram o assassinato de um homem num aeroporto canadiano, pelas autoridades, recorrendo ao uso de uma arma de aparente persuasão, mas que afinal é uma mortal instrumento de tortura e morte. O tazer, para quem quiser saber.

É esta “estética”, esta lógica, esta ditadura do gosto que urge combater. Resta-me, enfim, alguma esquerda no meu espírito.

1 Comments:

At 12:55 da manhã, Blogger leftbrain said...

Estética, na etimologia, signfica «sensibilidade» e tem sempre uma ética subjacente, visto que a sensibilidade (à forma) resulta necessariamente de uma construção ideológica. Há, nas bibliotecas decentes, prateleiras inteiras de livros sobre esta questão. O azar é que poucos os lêem e, os que o fazem, não são aptos para tomar conta das «coisas públicas»: para as coisas públicas «querem-se» pessoas pragmáticas e não intelectuais.

Fazendo fé na wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Pragmatismo) "O Pragmatismo constitui uma escola de filosofia, com origens nos Estados Unidos da América, caracterizada pela descrença no fatalismo e pela certeza de que só a ação humana, movida pela inteligência e pela energia, pode alterar os limites da condição humana. Este paradigma filosófico caracteriza-se, pois, pela ênfase dada às consequências - utilidade e sentido prático - como componentes vitais da verdade. (...) É basicamente dizer: 'Os fins justificam os meios'".

Esta "ênfase dada às consequências" é portanto, dito de outra forma, a preocupação com os resultados. Aqui já não se fala necessariamente de estética, embora se pratique uma ética da qual necessariamente se deduzirá uma estética. Nesta perspectiva, o melhor director de televisão é aquele que consegue vender mais anúncios, e esses dos mais caros, de preferência. Portanto, e dado que para ter resultados é preciso «trabalhar a audiência» de modo a que ela esteja disponível para absorver as mensagens pagas (os anúncios) o pragmatismo cria «a sua estética» de informação, de programação, etc..

Pelo que se vê, a estética está de boa saúde e o pragmatismo vai de vento em popa: as televisões são todas monotonamente semelhantes, e esteticamente indistinguíveis. Tal e qual como são esteticamente indistinguíveis os ministros do Governo, os quais, de tão atarefados com o pragmatismo, certamente já não lêm um livro há muito tempo... Não só o livro é perigoso pois pode perturbar o «pragmatismo» como, por isso mesmo, é desnecessário: como dizia o Eça, «o Liceu é um sítio onde somos obrigados a ler bocados de livros para ganhar o direito de nunca mais ter de ler livro nenhum».

Os «pragmáticos» querem resultados, consequências. Mas têm o cuidado de não estar lá para as sofrer... Os ministros passam, mas os directores de televisão ficam: são estetas, não são políticos.

 

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