quarta-feira, março 07, 2007

Não sabemos se rir, se chorar

A RTP celebra hoje 50 anos de emissão. O dia poderia ser feliz, de celebração. Ao contrário, não é um dia nada simpático para o audiovisual português.

Gostaria, mas não tenho tempo nem motivação, de reflectir sobre alguns dados estatístico/científicos. A relação investimento/audiência/captação de novos públicos/inovação dos conteúdos. Fico-me por algumas ligeiras considerações. Fruto do próprio objecto, a RTP.

Olhando para a forma como está a festejar reparo nos motivos de orgulho: Sousa Veloso, ZIP ZAP, Vasco Granja e Vitorino de Almeida.
Tudo personalizado, paupérrimo do ponto de vista dos meios de produção, saudosista, bafiento, pseudo cultural enganador e nada, mas mesmo nada importante, tão pouco criativo.
Ao mesmo tempo um pano sobre as grandes negociatas: os verdadeiros milhões gastos na criação da Olivedesportos, nos grandes produtores de entretenimento, quase todos posteriormente falidos, os grandes projectos falhados, o financiamento da NBP e as suas esquecidas novelas, com excepção do Caniço, tudo numa redoma de uma casa de pessoal que será uma verdadeira casa de família que anualmente transmite em directo a Tourada, paga por todos nós e se calhar nunca transmitiu um concerto para orquestra em directo, aqui produzida entenda-se.

E durante algum tempo, reconheço, acreditei no recente projecto de requalificação financeira. Enganaram-se. Os conteúdos teriam que ser a base desta alteração. Manteve-se afinal tudo na mesma lógica, no mesmo ciclo agoniante.
Vejam só: hoje estreia-se mais um… CENTRO DE PRODUÇÃO! Pelo Presidente da República. A TV e o Regime, o Regime e a TV.

Meus senhores: não são as máquinas que fazem a diferença. Seriam os Brains. Aqueles que estão adormecidos, afastados, excluídos.

Hoje, um serviço verdadeiramente público, profissional, audaz, determinante e histórico anunciava:
"Revolucionámos a ficção com esta e aquela série".
"Descobrimos este e aquele grande criador à escala mundial".
"Surpreendemos e parámos o país com este e aquele programa de entretenimento (não vale a ideia dos autoclismos que se ouviam em tempos de monopólio e parvónia generalizada)".
"Informámos primeiro aqui, demos-lhe o exclusivo ali e não nos resignámos com o poder acolá".

Hoje, não fosse este ciclo deteriorado e em vez da ilusão da "maior emissão de sempre", seria uma emissão integralmente idealizada, comandada, realizada e protagonizada por crianças, com directos das escolas, dos ATL, dos centros de interesse. Os convidados eram os grandes pensadores, artistas e cientistas. Todos os meios técnicos eram simples e genuínos.

Hoje a RTP não estava à cabeça da criação do Museu Salazar com Os Grandes Portugueses. Pelo contrário, os seus outros canais mostravam documentários históricos e televisivamente exemplares de grandes homens a quem a história (e a própria RTP) foi madrasta como Humberto Delgado, Aristides de Sousa Mendes e afins.

Hoje, mais de metade dos directores de informação/programas da RTP sentavam-se no banco dos réus e não só apanhavam uma cana das sérias, como eram obrigados a repor tudo o que gamaram e toda a dignidade a quem tiraram (políticos, artistas, criadores).

Hoje, a RTP explicava quanto custou por cada dia que passou dos seus cinquenta anos. Hoje, comprometia-se a devolver cada tostão, com um grande e lucrativo projecto que assentasse nas artes, nas culturas, nas novas tecnologias e nos novos conteúdos. Hoje, disponibilizava todo o seu (que é afinal nosso) património audiovisual, gratuitamente na Internet, atraindo assim novos mercados empresariais de sponsorização. Apresentava a nova arquitectura dos vários canais, adaptados à realidade e com um olho nos futuros desafios desta área.
Hoje era anunciada a privatização da RTP1.

Hoje, a RTP não vangloriava uma história negativa e mascarada. Comprometia-se e antecipava o futuro. Amanhã, a RTP não era vista com aqueles tons baços e démodé. Não tentava colorar, nem ficar cada vez mais parecida com a TVI. Escolhia as cores do futuro. E acertava.