quinta-feira, agosto 04, 2005

Soares é fixe!


Em 1986 eu tinha 14 anos. Até então não me lembro de ter qualquer pensamento, ou posição política. Recordo que o meu pai sempre se considerou um social-democrata, que admirava Sá Carneiro, mas que não se terá entusiasmado com a candidatura de Freitas do Amaral. Já a minha mãe sempre foi de esquerda, embora nessa altura tenha votado em Maria de Lurdes Pintassilgo na primeira volta e obviamente Soares na segunda. O resto da família e os amigos de então também não falavam sequer em questões políticas.
Não terá sido, portanto, por influência directa dos meus pais que recordo que andava com autocolantes de Salgado Zenha na primeira volta dessas eleições, que adorava passar por murais pintados com slogans de incentivo à sua candidatura e que passei várias vezes pelo Camões e espreitava os cabeçalhos dos jornais para ver o andamento da campanha.
Não sabia nada sobre os antecedentes daqueles homens. Desconhecia o passado comum e divergente de Soares e Zenha, considerava preconceituosamente, reconheço agora, Freitas um fascista e nem sequer sei bem porque elegia Zenha, mas teria a ver simplesmente com simpatia, porque não relembro nenhuma matéria política significativa. Desconhecia o passado pré e pós 25 de Abril de Soares e portanto estava por assim dizer completamente às escuras sobre os candidatos, sobre as funções a que se propunham e sobre a democracia em geral.
Cresci sempre com duas únicas ideias, talvez dogmas familiares, nesta área: o facto da minha avó materna votar sempre, sempre no PS e o meu pai anunciar Humberto Delgado como o maior herói da resistência ao regime de Salazar.
Por isso é justo reconhecer que as eleições de 1986 tiveram o condão de despertar paixões, simpatias e interesse pela causa política em geral. Foram o momento mais importante da democracia portuguesa (sem contar naturalmente com a transição). As eleições de 1986 trouxeram a discussão para a rua, para os velhos e para as crianças, para os ricos, os pobres, os operários, os técnicos e para um país que à beira de eleger um Presidente civil, acabaria de vez com o trauma pós revolucionário que tanta divergência causou.
Na segunda volta recordo andar feliz com um auto-colante que dizia: para derrotar Freitas, é preciso votar Soares. Ingenuamente pensava que era para ser usado por todos os que não se identificavam com Freitas e só anos mais tarde descobri que era um golpe de marketing do PCP, no qual justificava o seu voto. Para derrotar Freitas. Foi talvez o último bom golpe de marketing daquela rapaziada que nunca mais se desenvolveu nessa e noutras matérias.
Mas dito isto, não se pode concluir que eu seja propriamente isento: desde que posso exercer o direito de voto apenas por duas vezes não coloquei a cruz nos PS, ou candidatos apoiados por. Numas presidenciais em que não era preciso e por outra vez farto da sobranceria de determinada autarca.

A eventual disputa entre Soares e Cavaco teria essa qualidade especial: a de colocar as eleições na prioridade dos portugueses, atraindo novos e eleitores desistentes. Mas temo que assim não seja...

Uma divertida audição de um dos múltiplos fóruns que os órgãos de comunicação social promovem para encher horários, confirma algo que a minha intuição me segredava. Os que apoiam Cavaco vão fazer o discurso de ódio a Soares, ao contrário dos que apoiam este, que optam por elogiar a figura e sua importância histórica.
A base de apoio da direita levará a discussão para a problemática da candidatura de Soares (idade, ter sido presidente, ódio) abrindo o flanco para uma campanha de afirmação e de união. Isso não é novo e por contraditório que aparente tem sido sempre a vantagem de Soares: aproveitar a negação dos seus adversários.
Este tipo de racíocinio espontâneo do povinho será claramente a raiz das duas campanhas, porque é também o espelho evidente das duas personalidades em confronto. Por isso Mário Soares vencerá, apesar de serem as eleições mais difíceis que alguma vez disputou.

Todos a quem é dada voz em representação do reviralho, salientam a questão da idade avançada de Mário Soares. Mais um argumento que, ao contrário do que imaginam, só trará a simpatia do povo. Era o que faltava que um cidadão com mais de 35 anos, em pleno exercício das suas faculdades psíquicas e mentais não se pudesse candidatar. Giro, giro é ouvir de 15 em 15 dias o Marcelo dizer que é comentador político há mais de vinte cinco anos. E agora acha que é preciso dar voz a outros. No caso dele eu também acho. Chega de hipocrisia!
E também cómico foi ouvir este mesmo argumento da boca de Sousa Tavares. É que o senhor não deve ter TV Cabo. Sim, refiro-me ao Canal Memória, onde ocasionalmente aparece a fazer entrevistas, 20 e tal anos mais novo, na RTP, cujo vice-director de informação era José Eduardo Moniz, futuro ex-director da TVI, futuro director da SIC.
Há trinta anos que, na TV, são os mesmos. E no futebol? Movimentos de renovação com Pinto da Costa e Valentim Loureiro? E nas artes? E na vida académica?

Já não imaginava poder voltar a ver Soares em campanha e neste tipo de campanha. É um prazer, uma alegria incontida, eu que me satisfazia a vê-lo e ouvi-lo mensalmente na SIC N.
Mas infelizmente não acredito a esta distância que Cavaco vá a jogo. Vai fazer todas as contas e vai perceber que ninguém lhe pode garantir a 100% uma vitória, nem ele próprio, o que fará com que não arrisque um milímetro. É pena se Cavaco não aceitar esta disputa.

Em relação às declarações de Helena Roseta, uma simples constatação: não vale a pena tanta exposição íntima, tanta declaração pública de paixão e amor, daquela que afinal se diz a rainha da moral e da ética.
A comunicação social é que já começa com os caciques do costume, dada a ampla cobertura que dá ao seu artigo cor-de-rosa. Porque há uma verdade inegável: há mais gente zangada com Cavaco só no PPD, que com Soares em toda a esquerda. Mas até estes caciques que se preparam em alta escala serão favoráveis a Mário Soares.

E sobre as duas personalidades e nas matérias que realmente interessam para uma delas exercer a presidência há diferenças de fundo.
Sobre a aventura falcónica americana no combate ao terrorismo todos sabemos bem a posição de Mário Soares. De Cavaco nem uma palavra.
Sobre o novo referendo à interrupção voluntária de gravidez, todos sabemos o pensamento de Mário Soares. De Cavaco apenas imaginamos.
Sobre a magistratura de influência que marca o estilo de Mário Soares, todos ansiamos e desejamos.
Sobre a possibilidade de um golpe de estado constitucional, com o Ministério das Finanças a ser comandado a partir de Belém e a reposição das políticas da Manuela Ferreira Leite que levaram o país a esta profunda crise e sob orientação ideológica do seu mestre, todos devemos também mostrar um certo manguito em forma de cruz.

Soares é fixe!