quarta-feira, abril 30, 2008

O estado reflexo

Costumo dizer que o problema central da ficção portuguesa consiste na tentativa permanente e obcecada de imitar o real. Como tal não consegue espelhar a realidade, nem como deveria ser resultado, recriá-la. A ficção, em Portugal, é um retrato frouxo de uma sequência de poses falsas.

Lembrei-me disto a propósito das escandalosas páginas de dois tablóides de ontem, Correio da Manhã e 24 Horas, onde as parangonas davam conta da doença oncológica de uma actriz/modelo conhecida. Pior: ela própria emitiu um comunicado dando conta de tal aspecto da sua intimidade. Mais grave: é uma exposição recorrente na sua família.

Nem ela, nem os responsáveis editoriais pararam para pensar naquele que veio a ser um acto de puro exibicionismo, uma vez que em nada beneficia a favorável evolução do seu estado de saúde, que em nada contribui para as pessoas que se sentem como que identificadas (aliviadas?) por tal facto e devoram esses jornais e essas notícias e em nada favorece a nossa classe jornalística e seus representantes.

Esse comunicado e aquela notícia envergonham-nos como povo. Ele há coisas que sinceramente não dizem respeito a todos, os aspectos pessoais e íntimos, independentemente da condição social, género, dimensão e figura de onde provêm. Podia desculpar-se a pessoa que emitiu aquele comunicado, por via do evidente momento difícil que atravessa? Não! É, como disse, recorrente mostrar a relação pessoal, os filhos bebés e até uma situação trágica familiar que correu folhas e folhas da imprensa da “especialidade”.

Já para os manipuladores da vida real é fácil reproduzir a ficção nacional. Hoje, todas as capas das revistas cor-de-rosa mostram a senhora e revelam a difícil batalha que está a travar. Nos próximos tempos vão continuar, por capítulos, os episódios todos desta nova novela. O final (na vida, vida mesmo, também eu espero) será feliz. Já imagino um dos títulos: “o mais difícil foi quando o Pedro contou aos nossos filhos a minha doença”.
Uma das revistas imitou bem a ficção. Mostrou uma imagem de uma novela onde a actriz estava careca porque a personagem que representava sofria de cancro.

Há, contudo, uma forma criativa de acordar a malta. Se alguma revista de mulheres em cuecas decidir fotografá-la, ou reproduzir imagens suas anteriormente feitas, aí sim, será escandaloso: revista para homens aproveita doença de actriz para vender mais. Até lá, a verdadeira pornografia, não será censurada.

1 Comments:

At 1:53 da manhã, Anonymous Anónimo said...

estética comunicacional... lol lol lol

 

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