quinta-feira, abril 21, 2005

Fumo Cinzento


Não foi nunca fumo verdadeiramente negro, nem foi conseguido fumo branco. O Fumo Cinzento enuncia o lapso profundo dos cardeais que escolheram Ratzinger para Papa. Não é bom para a Igreja Católica. Na verdade o descontentamento generalizado não é novo. Pelo menos em Portugal a sensação é a mesma da que sentimos quando o conclave comunista escolheu Jerónimo de Sousa para líder do PCP. Estas vitórias da ortodoxia induzem nas instituições que as produzem uma sensação de sobrevivência, mas são na verdade a continuação da sua própria agonia degenerativa.

É claro que a eleição do Ex. Perfeito para a Congregação da Doutrina da Fé implica uma mudança na sua atitude: aparecerá mais progressista que o que é, mas, como sempre na história da Igreja Católica, tratar-se-á simplesmente de fachada. Com este Papa a continuação e até aprofundamento de algumas matérias será inevitável. Más notícias para a função das mulheres no universo eclesiástico, pessimismo generalizado para a luta pela igualdade social dos homossexuais, continuidade da postura assassina no que diz respeito ao flagelo da SIDA por via da proibição do uso do preservativo e por aí fora.

João Maia Abreu (enviado da TVI) afirmou que o Vaticano não estava preparado para um Papa negro. Dixit, citando fonte. Das duas uma: ou João Maia Abreu ultrapassou os limites da ética jornalística e emitiu uma opinião pessoal discriminatória, utilizando uma falsa fonte ou o que disse é verdade. E perguntamos: o que é isso de não se estar preparado para os negros? Imagina-se que mesmo conseguindo eleger um Papa africano, isso depois traria dificuldades nas fases sucessórias: beatificação e santificação.
A Igreja que não se venha armar em colégio de virtudes que essa não pega. Ser branco, negro, italiano ou chinês não podem ser factores eliminatórios para ninguém. Ou, no Vaticano, podem? Tem de se ser ariano, para ser Papa?

domingo, abril 17, 2005

A Nuvem Avariada


Recomendo vivamente este espectáculo. É dirigido a crianças mas os adultos não ficam defraudados.

Está em cena no Teatro Esfera, em Massamá, sábados às 16h e Domingos às 11h. Durante a semana marcações para escolas. No site da companhia estão todos os detalhes sobre a peça e formas de chegar lá (croqui, telefone, etc.).

É uma simples e brilhante produção focalizada no trabalho do actor na vertente do clown. Uma construção a partir do improviso coordenada por Paula Sousa e João Ricardo, que assina a encenação.
Transmite bem a poesia do palhaço no seu estado puro, num cenário bonito e com uma banda sonora adequada que, em muitos momentos, transforma uma peça de teatro numa coreografia cómica. Situações muito engraçadas para animar e divertir pequenos e grandes espectadores.

À boa visão do encenador acresce a generosidade afectiva dos actores. O resultado não podia ser melhor: excelente adesão de público.

Um reparo. A organização do teatro deveria impedir a criançada de espreitar os segredos do palco, no final da representação. É natural que a malta queira desvendar os mistérios bem conseguidos do espectáculo. Mas isso precisamente deve a todo o custo ser evitado. A magia tem de ser secreta até ao fim! (Das duas vezes que fui ver não se conseguiu evitar a invasão da área de representação).

Fico à espera de novas aventuras do Teatro Esfera, que é uma lufada de ar fresco nas companhias do costume.


Célia MS Ramos, Emanuel Arada e Nuno Bernardo recriam uma família hilariante.

segunda-feira, abril 11, 2005

Sempre Rui!


Hino à bola! O Príncipe espalhou o seu perfume!

Destaque na home do Milan e aqui.

terça-feira, abril 05, 2005

Eu e o Papa




Parte 1
Se é um momento difícil para os católicos também o é para um ateu: escrever sobre este assunto. Impera o respeito, igual para Karol Jozef Wojtyla, como para qualquer outro ser humano. Nem mais, nem menos. Daí que gostaria de ter ouvido mais condolências à família e amigos chegados, do que propriamente a todo o mundo. Aqui apresento as minhas, mesmo que de um cantinho desconhecido.

Parte 2
Há alguns anos que eu acho (tendo escrito) que João Paulo II deveria ter sido retirado da actividade pública e das suas funções. Bem sei que foi ele que assim quis, demonstrando força de vontade e espírito de missão. Mas sobre qualquer outra pessoa, que não o Papa, se questionaria a legitimidade psicológica para poder continuar a decidir aparecer naquele estado tão fragilizado. Acontece que as imagens de um homem tão debilitado me chocavam constante e profundamente e me fizeram pensar que a sua preservação pública acrescentaria dignidade à sua pessoa e não o contrário.
Isso mesmo é observável neste velório mediático. Não consigo entender esta tradição católica apostólica romana de exibir um morto, coisa que acontece nas sociedades ocidentais. Para mim é fundamental recolher uma pessoa no seu momento mais íntimo: a sua morte. Acresce que neste caso verificamos a ampla cobertura dos media, com os devidos close-ups do próprio e dos que sofrem, ainda que por projecção da sua angústia, que a Igreja insiste doutrinariamente em transformar em culpa. E mais. Em cada três, quatro pessoas que visitam o falecido, uma ostenta uma câmara fotográfica digital, com flash, criando uma absurda e constrangedora ideia de sala de conferência de imprensa aberrante, que de nenhuma forma é compreensível, embora, provavelmente, quase todos o façam inconscientes do efeito aterrador. Uma boa notícia foi a ideia de Karol Wojtyla ser acompanhado ao túmulo, exclusivamente por familiares e amigos. Desculpem-me os que estiverem chocados, mas são coisas que sinto do fundo do coração e sei de alguém que concordaria a cem por cento comigo...

Parte 3
Esta situação de comoção de muitos é também a hipocrisia de outros. As três estações generalistas transmitiram em directo a missa portuguesa em memória do Papa. Isso não foi possível nos debates para o governo, na final da selecção nacional, ou na entrega do prémio Nobel a José Saramago. Mas já aconteceu as três estações emitirem exactamente a mesma coisa: ataque às Torres Gémeas e funeral de Miki Fehér. Isto diz-nos alguma coisa sobre as prioridades editoriais e o culto da desgraça, talvez não tanto sobre a verdadeira importância das coisas.
Já a TVI teve sempre uma não renegada inspiração católica. Na sua origem, precisamente fruto do investimento financeiro da igreja e na actualidade, fruto dos seus critérios editoriais e políticos e da transmissão da missa dominical. Não consigo entender que Domingo tenha visto uma celebridade a untar-se com merda de vaca sustentando que fazia bem à pele. Mais valia que a TVI esquecesse a inspiração divina (e a hipocrisia dos valores), deixasse de ser cínica e cuidasse mais a sua programação (nestes e noutros momentos), por respeito aos telespectadores católicos e não católicos.

Parte 4
Não é unânime a importância atribuída a João Paulo II em relação à sua actividade. Em muitas matérias a Igreja deu passos atrás e ele é o responsável número um. As mulheres, os homossexuais e os doentes com HIV têm diferentes razões de queixa e a sua intervenção na queda do muro de Berlim é mais empolgada que verdadeira. Timor foi também uma nódoa neste pontificado amigo de Portugal. Não obstante, a intervenção social da igreja continua a ser uma justa bandeira e João Paulo II foi importante como embaixador da bondade e da solidariedade social. Foi excelente na condenação à Guerra no Iraque e, fruto das repercussões mediáticas de tal gesto, só lhe podemos agradecer. Ficará na memória a sua ida à prisão pedir perdão ao homem que o baleara. Um gesto de um catolicismo ideal e brilhante do ponto de vista da comunicação.

Parte 5
Confesso que, como todos, dava tudo para participar no Conclave dos Cardeais. É um momento de rara política pura, inigualável e mágico. A política também se faz fora dos partidos. Não será um exercício democrático, visto que nenhum Cardeal foi eleito por sufrágio universal, mas far-se-á real politic.
Imaginei o cenário: Ratzinger entra com maioria simples. Os italianos respondem com Tettamanzi, segundo em número de votos. A linha dura digladia-se. O nigeriano Arinze aparece como lebre dos mais liberais (ele que é contra homossexuais, mulheres a pregar e etc.). Os norte americanos apoiam-no e os do sul fingem que. Há vários impasses. Ratzinger joga com a Congregação para a Doutrina da Fé (Ex. Inquisição) e Tettamanzi responde com o Opus Dei. Os asiáticos e australianos apoiam Arinze, mas não chega. Após algumas eleições Ratzinguer confirma a vitória, embora sem dois terços. Fulos os italianos resolvem encontrar uma solução contra a Alemanha. Francis Arinze joga tudo para os ter do seu lado mas, nas suas costas, os Cardeais que representam o maior número de católicos (América do Sul) afiam a faca e procuram uma ponte com a Europa. Dom José Policarpo chega-se à frente. Ao jantar aceita negociar com os italianos, desde que salvaguardadas algumas condições. A fechar o pano Arinze é convencido a ceder a sua quota (e apoios). Na votação final o brasileiro Claudio Hummes é apresentado candidato com o apoio de África, América do Sul, Ásia, Oceânia e dos italianos e vence, com maioria simples, Ratzinger e os europeus que restam, exceptuando D. José Policarpo. É apresentado o Papa João XXII (ele queria Inocêncio, mas cedeu a uma vontade do Cardeal português).
A língua portuguesa volta a fazer parte das homilias no Vaticano.

Eu e o Papa (Epílogo)
Sei agora que tinha dez anos quando João Paulo II visitou Portugal pela primeira vez. Iria aparecer no Parque Eduardo VII. Aqueles que conheceram o meu pai sabem que era um homem com muito olho para o negócio, embora alguma dificuldade nas questões práticas (somos mesmo muito parecidos). Teve uma ideia brilhante: comprou uma resma de posters A3 de Sua Santidade, uma mesa de campismo e toca a vender em plena Fontes Pereira de Melo, esquina com o Marquês. Eu fui entusiasmado e um pouco ao acaso. Na verdade acompanhei-o convencido que ia ver o Papa e isso era fantástico. Uma ideia inconcebível, um sonho prestes a tornar-se realidade.
Ora, como disse, o meu pai tinha excelentes ideias, mas esquecera-se que nunca tinha sido vendedor de rua. Por isso montou a mesinha e colou dois posters com fita cola, como que a fazer publicidade. E esperou. Esperou, esperou. Talvez tenha vendido quatro ou cinco, a vinte escudos se a memória não me atraiçoa. Eu desesperei. Sem aquela missão concluída não conseguiria atingir o meu objectivo: ver o Papa. As pessoas começaram a chegar aos magotes. E qual verdadeiro artista que se revela com público, decidi actuar. Comecei aos gritos: "Olha o Poster do Papa, o belo poster". A coisa começou a pegar. O meu pai ria-se meio encavacado, meio surpreendido. Perguntei-lhe que papel era aquele (claro o meu pai percebia tanto de couché como de venda coerciva) e disse-me: cartolina. Boa! Novo texto, novo slogan: "Olha o poster do Papa, é cartolina pura, cartolina pura, o poster do papa". E milagre ou não, acreditem que esta cena da cartolina foi um estoiro na cabeça dos peregrinos. Compravam posters à ganância, faziam fila, achavam graça e alguns gratificavam-me. O meu pai geria a guita e aconselhava-me calma, que não exagerasse. Mas era tarde. Eu estava ao rubro. A cena era irreversível. "Cartolina Pura, o melhor poster do Papa", "vinte mérreies, uma moeda de vinte" e etc. Muitas vezes referi a cartolina sempre acrescentada da pura. E a resma foi-se. Entretanto o Papa também. Talvez se o tivesse visto, com aquela idade, o meu texto hoje fosse menos racional e mais místico. Mas para mim isso já não importou, estava satisfeito. Na realidade ajudei o meu pai, algo que repeti mais uma ou outra vez durante a sua vida. E isso bastou-me. Eu e o Papa.