segunda-feira, janeiro 19, 2004

Feed Back (14)

"Xano, apesar de não comunicar muito contigo através de e-mail, gosto mais de te telefonar, no entanto como estás fora só quero que saibas que adorei a carta do Jaqué e espero que ele esteja bem."
(TB, 04,02,04, por e-mail)

"Querido Jaqué:
Devias ler Timbuktu, pede emprestado ao teu dono. Para te aguçar o apetite envio-te pequenos pedaços que me pareceram mais apetitosos, é uma forma de te mostrar como gostei de ler a carta a teu dono. Também fiquei a pensar, que sendo para mim a relação não só a minha profissão como aquilo a que dou maior importância, se não devia aumentar a família com alguém como tu, a ver vamos. Espero que gostes, "O homem dava-nos comida e um sítio para dormir e a gente, em troca, dava-lhe amor e uma lealdade a toda a prova... Eu não te avisei que restaurantes chineses eram sinónimo de perigo?... Claro que é de confiança, basta olhar para os olhos dele... uma ideia tão simples e perfeita que se fica a pensar como é que o mundo terá conseguido sobreviver sem ela. A mala com rodas, por exemplo. Como é possível que tenhamos demorado tanto tempo a chegar à mala com rodas?"
Beijinhos"
(AS, 27-01-04, por e-mail)

"As Aventuras de D. Humberto e Sancho Jaqué
Caro Jaqué,
Foi com gosto que constatei um pensamento que já há algum tempo me tinha ocorrido: a vossa relação é de marcados papeis distintos, mas terna na sua essência. D. Humberto o sonhador, permanentemente em busca de aventuras, Jaqué, o fiel companheiro, com um sentido de realidade e do mundano muito apurado. Concentrado nos prazeres físicos da vida. Talvez isso não venha ao de cima no dia a dia, mas como prova esta carta, é ao Jaqué que cabe traduzir a premência da realidade na vida de ricas divagações mentais que D. Humberto leva (vejamos: a torneira do bidé, a gestão das relações no passeio de rua, o medo claramente injustificado dos atropelos). Gostei de ver alguns tabus quebrados: a questão albina, a gestão da relação entre Jaqué e Dulcineia (um clássico conflito de divisão de afectos entre o compaigne de route do mesmo sexo e a liberdade que isso representa por um lado, e por outro a aproximação ao sexo oposto sobre a forma de amor, mas que Schopenhauer acreditava ser não mais do que uma pílula adoçante fornecida pelo tirano impulso da procriação).
Mas agora ficamos todos à espera: para quando a carta de D. Humberto ao Jaqué?
Beijinhos
C."
(CM, 22-01-04, por e-mail)

"Meu caro Jaqué:
Estou impressionado com a tua original iniciativa. Além de me teres surpreendido pelo vanguardismo (presumo que acabas de dar origem a uma nova era do relacionamento canídeo-hominídeo), acho que no caso do teu dono, ele bem merece este teu gesto magnânimo.
Confesso que me surpreendeste com algumas das reflexões que em boa hora decidiste partilhar com o teu dono. Provavelmente, em alguns dos casos, a tua abertura roçou quase a inconfidência, mas afinal foi o teu dono quem quis partilhar a tua carta.
Depois do que li - e tendo em conta que não te conheço para além de uma ou duas vezes que te vi de raspão - acho que és um gajo porreiro (aceita esta liberdade de te considerar um gajo). Diria mesmo que, em dois ou três pensamentos revelas a sensibilidade de um verdadeiro intelectual, de um tipo surpreendentemente dado à análise e à interpretação do que o rodeia.
Por isso, meu caro, onde quer que estejas agora, recebe este meu abraço apertado. E fica sabendo que se o teu dono não tratar do caso, eu próprio um dia deste te inicio aos prazeres de uma boa cigarrada; ou, quem sabe, de um bons bafos num charro.
Não desesperes.
Grande abraço (se preferires, grande snifadela)
JP
PS: quando quiseres aparecer no Bairro, sabes que tens uma casa às ordens. Pode ser até que me ajudes na aproximação à boa da vizinha espanhola que tem uma Retreiver que - aposto - te dava a volta à cabeça."
(JMP, 19-01-04, por e-mail)

"B.
Umas palavras para dizer simplesmente "Amei".
Amei a carta do Jaqué. Tão ternurenta.
Sorri vezes sem fim e inclusive deixei escapar uma lágrima.
Primeiro porque sou uma amante incondicional dos animais (em especial felinos, mas também adoro cães), em segundo lugar porque recordo os "pets" que tive ao longo da minha vida e "de quem" sinto muitas saudades (especialmente do meu gato "Lucky"), em terceiro porque fiquei com saudades do gato e do cão dos meus pais (que estão em Cascais) e que apesar de serem deles são "um bocadinho" meus (...).
Adorei:
"... Agora faço-o porque, ao contrário de ti, achava que tudo na nossa relação estava subentendido e só então percebi que é mais fácil para ti perceberes o que lês no papel (no caso no ecrã) que nos meus olhos..."
Espero que esteja bem da operação.
É maravilhoso viver com "eles", não é? Grandes companheiros. Penso que as pessoas que têm a capacidade de amar os animais desta maneira são mais felizes. Beijinhos. E ao Jaqué, também.(...)
Fica bem e continua a escrever no teu Blog."
(AR, 19-01-04, por e-mail)

"Olá Dono!
Desculpa mas tenho que q te dizer que foi o texto mais bonito que vi escrito por um cão ( ou mesmo por um humano)!
Beijinhos para o teu cão e um para ti (pronto) de uma Manchester chuvosa e cheia de Lulas , mas com muitos parques para os cães correrem!
S (...)
P.S. - Desculpa o facto de escrever sem acentos mas estes teclados ingleses são um stress!
P.S.2 - Sabes q os cães aqui podem andar com os seus donos no autocarro e no comboio sem ser dentro de gaiolas idiotas?"
(SA, 19-01-04, por e-mail)

sexta-feira, janeiro 16, 2004

Meu Dono Querido

Eu nasci, se não me falha algo parecido com a memória canina, a 10 de Março de 1993 e desde Junho desse ano que vivo contigo.
Decidi escrever-te, na evocação do meu décimo primeiro aniversário e não me perguntes porquê... O lógico era escrever-te no décimo, ou no décimo segundo que é a esperança média de vida dos outros boxers meus amigos, mas ao contrário dos humanos nós, cães, não nos classificamos por raça, cor de pele, mas tão somente por sexo. Para nós caninismo, não é defeito porque cadela é cadela e cão é cão. Nos apertos somos todos gays, mas isso não nos retira masculinidade.
As lógicas caninas são diferentes das vossas, que já agora, são muito parecidas com as dos gatos_ que eu, como sabes, tanto gosto.
Prova da nossa lógica surrealista é que faltam quase dois meses para completar onze anos e não deixo de procurar relacionamentos com essa data para justificar esta carta.

Eu já estive para te escrever várias vezes, mas deu-me sempre uma incrível sonolência e decidi ir descansar. Agora faço-o porque, ao contrário de ti, achava que tudo na nossa relação estava subentendido e só então percebi que é mais fácil para ti perceberes o que lês no papel (no caso no ecrã) que nos meus olhos.

A primeira coisa que te quero explicar é a quebra de um mito. Quando as pessoas dizem à minha frente que eu sou albino e tu as recriminas porque achas que eu não sei isso, fazes mal porque eu sei que sou e tu és o único cão (desculpa, mas a nossa proximidade às vezes confunde-me), aliás pessoa, que defende que eu por ter pigmentação (olhos e manchinhas na barriga) não sou albino, mas sim branco... Esquece isso porque não há diferença: os meus amigos e inimigos dividem-se em pretos e brancos, sendo eu dos primeiros e as recriminações não têm nada a ver com cor, mas com os donos bons ou maus. Tem calma, tu és dos razoáveis, não te preocupes... Aproveito para te pedir que não te dirijas a mim com aquela voz de falsete como se eu fosse um bebé e já agora não me chames mais "bebé grande", "snow white", "caozinho querido" e outras paneleirices similares, especialmente à frente de terceiros, nomeadamente cães adultos machos, com quem tenho de manter alguma distância competitiva e é por isso que muitas vezes mijo por todo o lado, no desterro a que te levo, diariamente, a passear.

Como sabes, levar-te a passear, é a actividade que mais gosto: mais que comer, dormir, lutar, ladrar (não, não sou mudo, apesar de só me teres ouvido ladrar três vezes, não sou é histérico) ou mesmo que tu, apesar de tu poderes ser considerado uma não actividade. É por isso que corro, cheiro, olhos os pássaros, os gatos, os cães e até sinto o vento a passar-me pelas ventas, que é das mais difíceis actividades intelectuais, pela simplicidade poética inerente, que nem todos conseguem ,especialmente vocês humanos, por serem todos toxicodependentes.

Gostaria te pedir que canceles algumas coisas que não gosto na nossa vida: o Inverno, os banhos (a não ser que possa lamber o shampoo), a porta da rua (para eu passear mais e mais e mais) e as dificuldades porque passas, porque não te quero triste, embora saibas que tens aqui um ombro amigo para chorar, sempre que queiras. Anula a torneira do bidé, porque se a água estiver sempre a correr, posso beber sempre que me apeteça, sem ter que pedinchar, porque não se recusa água a ninguém. Deita fora a trela, não porque tenha algo contra a sua utilização (até acho divertido), mas a sua colocação, corta um bocado a excitação de ir à rua. Não censures as bolachas que me dão e passa tu próprio a ser um dinamizador desta actividade proibida, fazendo juz à tua condição de contestatário. A partir de agora deixa-me aproximar e lamber todas as crianças que eu vir, especialmente os bebés em carrinho, porque eu gosto e se isso for corrente eles deixam de ter medo de mim. Assim como cheirar estranhos e os seus sacos de compras.

As idas ao veterinário causam em mim uma dúvida existencial: gosto do passeio, andar de carro (é um vício compulsivo, porque assim que abres a porta a minha adrenalina sobe, para depois enjoar, acho que é isto que vocês chamam "pedrada"), encontrar outros cães e cadelas, assustar os pássaros e os gatos metidos nas gaiolas e chafurdar na pequena taça de água, criando um verdadeiro lago de água e baba, que me excita ainda mais. Ui! Aqueles olhinhos esbugalhados dos gatos assustados (será que eles não sabem que fui criado com três gatinhos e todos, aqui ou ali, gostamos de lembrar a infância?). Por outro lado as injecções e examinações não fazem muito o meu género, portanto corta esta parte e poderemos continuar a ir lá.

Vamos às coisas boas que temos que instigar e fazer mais vezes. Aparece mais vezes na televisão porque acho graça a este desafio esquisito de encostar o ouvido ao aparelho, sem perceber o que estou a reconhecer, ainda por cima porque estás ao meu lado. Arranja-me um gato e uma cadela. Vem viver para a marquise comigo, porque teremos menos frio, ou melhor, eu mudo-me cá para dentro. A partir de agora quero comer restos de comida temperada porque isso faz bem aos cães. Arranja-me vinte bolas de todos os tamanhos e cores (umas pretas, outras brancas) e devolve-me os brinquedos antigos que nunca mais vi. Autoriza que beba água da pia e passa tu também a beber, porque é divertido. Dá a chave de casa a todos os nossos amigos humanos, para me visitarem a toda a hora e faz algumas cópias para eu distribuir por umas gatas aqui do bairro. Boa piada, a das gatas... Acaba tudo com a Dona, porque passas muito tempo com ela e não é necessário. Ah! Para ela não ficar triste continua a ser minha Dona (se deixar de me tentar fazer festas na cabeça, não sei porquê: dos outros gosto, dela irrita-me). A partir de hoje sempre que comprares um maço de cigarros para ti, compras-me um para eu comer.
Explica-me de uma vez por todas porque é que se riem tanto da expressão "beber água como os cães", que eu sinceramente não vejo aí nenhuma punch line...

Algumas notas sobre nós e o nosso passado. Reconheço que estiveste sempre do meu lado, que é o mesmo que dizer que estive sempre contigo. Lembro-me das nossas zangas: não tinhas razão nem por causa da destruição da casa (eu era um cachorro e ainda hoje se puder arraso uma casa em cinco minutos) nem na única ordem que achas que cumpro, o teu altivo "quieto", por causa dos atropelamentos. Agora pergunto-te: alguma vez fui atropelado, ah? Alguma vez? Então para quê tanto pânico?
Vivemos muitas coisas engraçadas, desde viagens com aquela alcateia a quem chamavas banda, a uma ou outra moça a que assisti tu a complicares o que é fácil (basta uma posição), a discussões, alegrias, mimos, festas, passeios para o fim do mundo (quando fazemos outro?), etc., etc.

Entre nós os cães há uma velho pensamento que diz que, independentemente dos donos todos que tivermos na vida, há sempre um que é "o dono".
Meu dono querido:
Escrevi estas palavras para te dizer que, para onde quer que vá, quando tiver de ir, nunca te esquecerei e que gosto muito de ti, que é o mesmo que dizer o vice-versa.

Assinado: Jaqué.

quinta-feira, janeiro 15, 2004

O 8 e o 80

Ontem George W. Bush fez um anúncio histórico: Os EUA preparam-se para fazer evoluir o seu programa espacial, de modo a poderem ter novos veículos (os obsoletos Space Shutlle estão à tempo de mais em actividade e nunca cumpriram, nem por sombras, o número de missões para que foram projectados e construídos) que conduzirá a humanidade a realizar uma base permanente na superfície lunar. Essa base servirá de etapa para o objectivo, ontem traçado, da conquista humana de Marte, a seis meses de distância do satélite da Terra e ainda na névoa científica dessa possibilidade (colocar um ser humano em Marte) não passar disso mesmo. Portanto ainda há muitos ses, financeiros e científicos, mas o anúncio de Bush não pode deixar de merecer elogio e admiração. Merece, sobretudo, alguma reflexão.

A primeira, já escalpelizada por comentaristas mundiais e afins (os portugueses marcianos), é evidente: Bush lançou de forma original a sua campanha presidencial com vista à reeleição. A segunda, é também, clara: com a opinião pública internacional e americana farta do falconismo saloio da administração das armas e da guerra, Bush transfere os interesses dos construtores de armamento, dos quais ele e os republicanos dependem, para a conquista espacial, área naturalmente do agrado do imaginário colectivo e que beneficia financeiramente ainda mais os referidos construtores.
Mas tudo o resto só se pode elogiar. Para mim e desde que não pague um tostão, prefiro saber que os americanos se matam a trabalhar para sustentar a evolução espacial e todas os departamentos científicos inerentes, do que para matar crianças e inocentes, por esse mundo fora, de forma estrategicamente insustentável, até de acordo com o recente e polémico Dossier do War College americano.

Mas ontem, em noite de insónia/zap, reencontrei o evidente. A CNN, Sky News, BBC World e todas as outras não especializadas, nos espaços informativos (TVE, RTL, Raio Uno, TV5 e etc.), não falavam de outra coisa, sendo que nas primeiras todos os aspectos foram devidamente contextualizados e discutidos por verdadeiros especialistas, com especial enfoque para os enquadramentos político e científico.
Nas televisões portuguesas generalistas e de informação (SIC N e NTV) aquela palavrinha de circunstância, no final dos blocos informativos, em tom do género "foi batido mais um recorde do guiness", ou "no Japão abriu um cabeleireiro para cães". Merda de insónia...

Mas a operação ao Jaqué correu bem e ele está para durar. Não tanto que assista (ou pelo menos oiça, que é o que faz, especialmente se reconhecer a vozinha do dono) à aterragem em Marte (2030?). E nós? Quais?